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    Estou preparado para assumir qualquer equipe do Brasil, afirma Zago

    EDUARDO RODRIGUES
    DE SÃO PAULO

    04/02/2017 02h00

    Divulgação/Internacional
    Antônio Carlos Zago comanda treino do Internacional
    Antônio Carlos Zago comanda treino do Internacional

    Antônio Carlos Zago, 47, estudou quase três anos na Europa para retornar ao Brasil com a certeza de que está preparado para treinar qualquer clube do país.

    Após garantir o acesso do Juventude à Série B do Brasileiro na temporada passada, o técnico paulista foi contratado pelo Internacional no fim de 2016 com a missão de recolocar o time gaúcho na elite do futebol. À Folha, ele afirmou que esse será o maior desafio de sua carreira.

    "Quando você pega um time grande na Série B, você tem quase como obrigação recolocá-lo na Série A", disse.

    Antes do objetivo principal da temporada, que é retornar à Série A, Zago tem o Campeonato Gaúcho pela frente. Neste sábado (4), o Inter recebe o Novo Hamburgo, às 17h, no Beira Rio. Na estreia do Estadual, empatou em 1 a 1 com o Veranópolis.

    Ele também mostrou arrependimento por ter se envolvido em polêmicas na época de jogador, como no caso de injúria racial em 2006, quando atuava pelo Juventude, que o afastou dos gramados por 120 dias, e pela cusparada dada no argentino Diego Simeone, quando jogava pela Roma, da Itália.

    "Se eu tenho que me arrepender foram desses dois casos. No resto, não me arrependo de nada", afirmou.

    *

    Folha - O seu desempenho como técnico não foi bom no início de sua carreira, mas melhorou logo depois que voltou de um intercâmbio na Europa. Você mudou seus conceitos após esse tempo fora?
    Antônio Carlos Zago - Eu acho que se você pegar em questão de percentual, o que eu fiz nos times que eu passei [no início como técnico] foi bom. É lógico que depois que eu fui para a Europa, fiz os cursos, tive a parte teórica junto com a prática, melhorei bastante. Isso foi importantíssimo para que eu fizesse o trabalho que fiz no Juventude no último um ano e meio. Mas o começo não foi dos piores. É que no Brasil é difícil. Quando o time não está bem a culpa é do treinador.

    A Europa te preparou para ser técnico aqui no Brasil?
    Eu acho que o estudo, o trabalho que eu desempenhei nos últimos três anos antes de chegar ao Juventude foi importantíssimo para que hoje eu estivesse preparado para assumir qualquer equipe do futebol brasileiro. Me sinto assim, falo com orgulho e estou super preparado para esse desafio que vou ter pela frente aqui no Internacional.

    Quanto tempo você estudou para na Europa?
    Foram praticamente dois ano. Estudei em Florença, na Itália, em Coverciano, onde é o centro de treinamento da seleção italiana. Fiz o curso Uefa B [para trabalhar em times de base], em Roma. O Uefa A [para equipes profissionais] e Uefa Pro [para clubes nas divisões de elite da Europa] eu fiz em Coverciano. Hoje tenho o certificado para trabalhar na Europa.

    Os treinadores brasileiros são carentes de estudo?
    Cada um tem o seu pensamento. Se você fizer essa pergunta para o Renato [Gaúcho] talvez ele seja contra. O Renato é um parceiro que eu tenho, mas assim, eu vou pela minha estrada, pelo meu lado. Eu sempre gostei de estudar, não tenho uma faculdade porque comecei jogar bola depois e talvez eu não teria feito uma faculdade porque meu pai não tinha condições na época. Eu gosto de me atualizar. O advogado tem que se atualizar na área dele. O estudo não faz mal a ninguém. Você pode virar técnico de uma hora para a outra e pode dar certo, mas na maioria das vezes não vai dar, na minha opinião.

    Qual o melhor técnico do mundo na sua opinião?
    Hoje é o Antonio Conte [do Chelsea], pelos trabalhos que ele fez nos últimos anos na Juventus [de 2011 a 2014]e na seleção italiana [de 2014 a 2016]. Ele deu uma resgatada na seleção italiana. Na última Eurocopa, desbancou a Espanha [eliminou a equipe nas quartas de final com vitória por 2 a 0], e jogando um futebol dentro daquilo que é o futebol italiano, em que primeiro se defende e depois ataca. Na Juventus, se eu não me engano, foram três títulos [italianos, nas temporadas 2011-12, 2012-13 e 2013-14]. No Chelsea, ficou 13 jogos invicto no Inglês, um dos campeonatos mais difíceis do mundo, e está em seu primeiro, à frente do [Josep] Guardiola [técnico do Manchester City]. Pelo que está fazendo, o Antonio Conte é o melhor treinador que temos na atualidade. Talvez como metodologia, como jogo, tudo, a maioria das pessoas vão falar que é o Guardiola, uma referência mundial, mas hoje, por tudo o que está acontecendo, o Conte é melhor.

    Entre Mourinho e Guardiola, você prefere quem?
    São diferentes. O Guardiola dentro do jogo dele, da técnica, da filosofia, da metodologia que talvez ele tenha aprendido no Barcelona, que não é fácil levar para outras equipes. Depois que ele saiu do Barcelona, Ele teve sucesso talvez no Bayern [de Munique], mas não chegou a ganhar uma Liga dos Campeões [pelo time alemão]. Ganhou o Campeonatos Alemão, praticamente, e agora no Inglês está encontrando algumas dificuldades. Aí a gente pode comparar o Guardiola ao Messi, e o Cristiano Ronaldo ao Mourinho. O Mourinho está tentando melhorar cada vez mais. Talvez o Guardiola tenha uma coisa assim mais natural, de fazer com que os jogadores entendam seu jogo. O Mourinho já é um pouco mais esforçado. Ele tem que trabalhar um pouco mais, como é o Cristiano Ronaldo, tem que se empenhar um pouco mais. Acho que a gente olha o Guardiola como se fosse o Messi, e o Mourinho como se fosse o Cristiano Ronaldo. São dois grandíssimos treinadores, duas ótimas referências. Acho que nos últimos dez, 15 anos foram os melhores treinadores que nós tivemos em todo o mundo.

    Mário Angelo-3.fev.2010 /Folhapress
    ***FOTO ARQUIVO***SÃO PAULO, SP, 03.02.2010: NOVO TÉCNICO/PALMEIRAS - No mesmo dia em que demitiu o técnico Muricy Ramalho, o Palmeiras anunciou o novo ocupante do posto: Antônio Carlos Zago, que até então dirigia o São Caetano. O acerto foi definido em uma reunião na noite desta quinta-feira. NA FOTO: Antônio Carlos Zago durante o jogo entre São Paulo x São Caetano. (Foto: Mário Angelo/Folhapress)
    Zago passou dois anos na Europa, onde fez cursos de técnico

    Outro técnico que vem tendo sucesso na Europa é o Simeone. Você chegou a dar uma cusparada nele quando eram jogadores. Fizeram as pazes?
    Eu encontrei ele uma semana depois. Sempre gostei de ir ao cinema e nos encontramos na fila. Ele estava comprando a pipoca e a mulher dele estava do lado. Eu olhei para ele, ele me olhou e deu risada. Eu falei: "cara, com você eu não quero nem conversar". Aí fui e pedi desculpa para a mulher dele pelo gesto, por tudo que tinha acontecido. E ela falou assim: "Zago, fica tranquilo que eu conheço o marido que eu tenho" (risos). Ele é outra referência nos últimos anos. Ele pegou o Atlético de Madri, acho que são cinco anos que ele está à frente do clube. Em cima do seu 4-4-2, às vezes um pouco diferente do que outros treinadores usam, vem fazendo com que a equipe jogue dentro da melhor característica dele como jogador, que era a agressividade, a vontade de ganhar, a garra, a persistência.

    O que ele falou para você para reagir daquela forma?
    Ele tinha xingado o [Marcos] Assunção e eu entrei na frente dele. Ele tinha falado uma coisa que não vem ao caso agora (risos), aí acabei me doendo pelo meu companheiro, por ser brasileiro, e acabei cometendo aquele gesto, o que não se deve fazer.

    Qual estilo mais te agrada para os seus times?
    No Juventude eu tinha começado no 4-2-3-1. Eu sempre gostei do [Luciano] Spaletti, na Roma. Depois da minha saída da Roma, foi o time que mais jogou futebol bonito, de encantar um pouco o torcedor. Ele proporcionava isso aos torcedores em cima do 4-2-3-1, que foi o que eu mais me especializei. Aqui [no Juventude] eu terminei no 4-4-2, também olhando um pouco daquilo que eu tinha aprendido na Europa em relação ao futebol inglês, em relação ao Atlético de Madrid. Não é fácil. Não é de uma hora para a outra. É lógico que você tem que conhecer o grupo, se os jogadores vão se adaptar a um outro sistema e aqui saiu naturalmente, graças a Deus. Fez com que a gente chegasse à Série B e às quartas de final da Copa do Brasil.

    Quem é sua grande inspiração como técnico de futebol?
    Eu tenho um agradecimento muito grande pelo Telê Santana, no início da minha carreira. Eu sei que são 25, 26 anos que se passaram, eu comecei com o Telê em 1990, mas era um treinador que para a época já tinha umas coisas diferentes. Talvez hoje seja o [Mircea] Luchesco, por ter sido meu treinador na Turquia por dois anos e por eu ter trabalhado dois anos com ele agora no Shakhtar Donetsk. Talvez o [Zdnek] Zeman [ex-técnico da Roma e atualmente no Lugano, da Suíça], com mais um 4-3-3. Ele não sai desse 4-3-3, mas é muito bonito, com diagonais, ultrapassagens. São treinadores que eu tenho uma admiração especial e algumas coisas que acontecem dentro de campo as vezes faço me inspirando neles.

    Como foi o contato do Internacional para que você assumisse o clube em 2017?
    Tinha uma especulação um mês e meio antes do primeiro contato, que foi três quatro dias antes da eleição [para presidente do clube]. Pessoas ligando, falando que fulano da diretoria tinha procurado eles, mas até então ninguém tinha me procurado. Depois recebi uma ligação do Roberto Melo, vice-presidente de futebol, me convocando para uma reunião. Fui pela primeira vez. Na segunda vez, um dia antes da eleição, fechamos tudo. O Inter ainda jogaria no domingo e acabou rebaixado. Mas, independentemente disso, é uma grande oportunidade que eu tenho. É um dos maiores clubes do futebol brasileiro, que passou por um ano difícil e vamos fazer tudo para recolocar o Internacional o mais rápido possível na Série A.

    Considera esse o maior desafio da sua carreira?
    Sim. Quando você pega um time grande na Série B tem quase a obrigação recolocá-lo na Série A. Eu tive uma experiência como diretor em um clube grande na Série B, que foi o Corinthians. Fizemos um grande trabalho, tínhamos a meta de em cinco, seis anos disputar uma Libertadores e, em cinco, seis anos, o time foi campeão mundial, então eu tenho muito como exemplo aquilo que eu fiz no Corinthians. É lógico que como treinador é bem mais difícil, mas eu não posso pegar como exemplo o que aconteceu com o Vasco no ano passado. O Vasco só conseguiu a classificação na última rodada. Com o Corinthians nós conseguimos como cinco ou seis rodadas de antecedência.

    Muito se falou que a sua saída do Corinthians foi devido a uma noitada com Ronaldo. Isso realmente aconteceu?
    Eu assumi uma bronca lá. Tinham outras pessoas comigo na minha casa e eu tive que assumir aquilo. Mas eu não quero tocar nesse assunto, que já faz parte do passado. Até para não envolver algumas pessoas. Mas, de novo, nunca fugi das minhas responsabilidades. Resolvi assumir e acabei pedindo as contas no Corinthians. Ninguém me mandou embora, porque ninguém se manifestou na imprensa da maneira que deveria ter se manifestado naquela momento.

    Esse episódio o desmotivou a continuar como dirigente?
    Eu nunca quis ser diretor. Ali [no Corinthians] foi um pedido do Andrés [Sanchéz], que é meu amigo de infância. Depois do impeachment do Dualib ele assumiu e, uma semana antes de eu encerrei minha carreira no Santos, teve esse convite. Deixei bem claro para o presidente do Santos [Marcelo Teixeira] que eu iria para o Corinthians trabalhar como diretor, que era a oportunidade que eu tinha para continuar no futebol. Mas desde os 33 anos queria fazer esses cursos na Europa.

    A sua passagem pelo Palmeiras como técnico foi conturbada, mas você nunca escondeu o carinho que sente pelo clube. A briga com Robert te atrapalhou?
    Essa questão da briga, não foi briga. O Robert chegou atrasado na saída do hotel e eu chamei a atenção dele. Ele quis começar a bater boca, mas ficou por ali. Tinha uma pessoa que trabalhava no Palmeiras que jogou isso na imprensa como um briga, mas não teve briga nenhuma. Depois que o Felipão [técnico que o substituiu] foi contratado, ele viu quem era essa pessoa, como ela estava trabalhando no Palmeiras, e ela foi mandada embora. Briga é quando você sai na porrada com alguém, e eu nunca fiz isso com nenhum jogador. Eu sempre discuti e briguei, mas dentro de campo. Acabou sendo uma deixa para que o Palmeiras me mandasse embora. Mas antes da minha contratação já tinham entrado em contato com o Felipão. A pessoa no Palmeiras que me mandou embora, me pegou como técnico tampão, já que eu vinha fazendo um bom trabalho no São Caetano. Foi uma pessoa que eu tinha trabalhado na época de jogador, fiquei muito chateado. Mas o carinho pelo Palmeiras, isso aí vai existir sempre. Como o carinho pelo São Paulo, pelo Santos, pelo Corinthians, que foram equipes por onde eu passei, sempre joguei, conquistei títulos, que é isso que fica marcado na história de um jogador.

    Pretende retornar um dia ao Palmeiras?
    Tenho vontade. Para terminar aquele trabalho que eu não terminei.

    O caso de injúria racial é o seu maior arrependimento? O Internacional foi pioneiro ao aceitar jogadores negros, a torcida sofreu com injúrias raciais, chamada de macaco pelo maior rival. Você não teme ser rejeitado por isso?
    É um arrependimento. Em cima daquilo que eu falei, eu paguei. Eu não fui o único. É que me pegaram naquele dia em cima de um gesto que não se deve fazer. Mais importante naquele momento foram meus amigos da raça negra estarem do meu lado, estarem me apoiando. Eu sabia que iria sofrer naquele momento. Foi uma coisa que ficou marcada na minha carreira. O ser humano às vezes está preparado para falar primeiro mal da pessoa do que bem. Primeiro para lembrar das coisas ruins que as coisas boas. Tanto esse episódio que aconteceu na minha carreira como a cusparada no Simeone foram gestos que nenhum jogador, nenhuma pessoa pode cometer. Mas tenho o lado do jogador vencedor também. Eu tenho 19, 20 títulos como profissional. Poucos jogadores têm isso. Talvez eu não tenha chegado em uma seleção brasileira por falar aquilo que penso. Nunca fui de esconder o que eu penso, o que eu acho e dar minha opinião. Muitos jogadores bem abaixo do meu nível disputaram uma Copa do Mundo e eu não. Se eu tenho que me arrepender foram desses dois casos. No resto da minha carreira eu não me arrependo de nada.

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