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    Campeonato Paulista 2017

    No São Bernardo, técnico português critica organização do futebol no Brasil

    EDUARDO RODRIGUES
    DE SÃO PAULO

    04/02/2017 02h00

    Rubens Cavallari/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL. 28-02-2016. 17h05min39s. Palmeiras e Ferroviaria pela setima rodada da serie A do Campeonato Paulista 2016 no Allianz Parque. Sergio Vieira, tecnico da ferroviarai. (foto: Rubens Cavallari/Folhapress, VENCER, **** EDICAO NORMAL****). ***EXCLUSIVO AGORA***EMBARGADA PARA VEICULOS ON LINE***UOL E FOLHA.COM E FOLHAPRESS CONSULTAR FOTOGRAFIA DO AGORA SÃO PAULO***f: 3224-2169, 3224-3342. *filename:_76U4468.JPG* ORG XMIT: _76U4468.JPG
    Treinador Sérgio Vieira comandará o São Bernardo no Campeonato Paulista de 2017

    Único técnico europeu na elite do Campeonato Paulista deste ano, o português Sérgio Vieira, 34, fará neste ano a sua terceira temporada consecutiva no Brasil. Ele comandará o São Bernardo.

    Vieira revelou à Folha que sempre teve vontade de conhecer de perto o trabalho que era feito no "país que fornece a matéria-prima" para o futebol, que são os jogadores. Se encantou com a estrutura oferecida pelo Atlético-PR, sua primeira equipe no país, mas de decepcionou com a organização.

    "Às vezes existem técnicos experientes, com muitas ideias, só que são vítimas de muitas coisas, como o número de jogos que se realiza aqui e o pouco espaço de tempo de recuperação entre as partidas. É algo que eu não entendo e não consigo entender", afirmou.

    Agora no São Bernardo, o treinador tenta se firmar no Brasil. Suas passagens por Atlético-PR, Ferroviária, Guaratinguetá e América-MG não tiveram muito sucesso.

    Técnico mais novo do Estadual, com 34 anos, garante que a juventude não é um problema para o seu trabalho. Sua estreia acontece neste sábado (4) diante do Novorizontino, às 17h, fora de casa.

    *

    Você tem apenas 34 anos e é mais novo que muitos jogadores do seu clube. Já sofreu ou sofre algum tipo de rejeição ou preconceito por isso?
    Não, de forma alguma. Pelo contrário. Os mais velhos são aqueles que tem mais maturidade, tem mais experiência de vida. Se for um bom ser humano é muito fácil isso, porque esse jogador sabe ouvir, sabe refletir, sabe como ser convencido com os argumentos. Quando é um jovem, por vezes não tem essas experiências, é imaturo.

    Tem um problema aqui no Brasil na formação dos atletas. O tempo que eles tem de hora de formação quando chega ao profissional. Existem países que os atletas começam aos 6 anos, 8 anos. Aqui nem sempre acontece isso. Vem de outras modalidades, do futsal. Muitas vezes por não estarem preparados para serem inseridos no futebol profissional podem não ter essa maturidade para lidar com um líder que é pouco mais velho do que ele. O treinador jovem tem que ter muita capacidade para liderar, para argumentar, para convencer os jogadores que são liderados, porque senão tudo é associado a idade.

    Os técnicos medalhões estão perdendo espaço. Você acha que agora é a vez dos mais novos no Brasil?
    Não considero muito isso, porque acho que o futebol ou qualquer área da vida sempre vai ter espaço para as melhores pessoas, mais competentes, mais preparadas. Acho que às vezes acontece uma coincidência de ter três ou quatro mais jovens. Em outros momentos terão técnicos mais velhos que já ganharam muita coisa. O Cruzeiro há três anos foi bicampeão brasileiro com o Marcelo Oliveira, que tem muita experiência, maturidade. Não podemos dizer que naquela altura era a juventude que estava em alta. Ou seja, a maturidade é uma coisa muito importante. Então há fases, há momentos e períodos que existem essa coincidência. Acho que tem a ver com o ser humano. O fato de ele estar preparado para aquela função ou não.

    Você tem o certificado para ser técnico na Europa e nunca escondeu que gosta de estudar. Você acredita que aqui no Brasil falta estudo para os treinadores?
    Não conheço profundamente o sistema de formação dos técnicos aqui no Brasil, mas eu vou lendo, vou vendo tudo que sai na imprensa e falando com outros colegas. Eu sei que nesse momento existe uma formação, existe um desenvolvimento da formação mais rigorosa, específica, detalhada. Isso é muito importante. Eu conversava com o Vágner Mancini sobre isso, e há pessoas que estão com ideias muito valiosas para realmente melhorar a condição de formação dos treinadores. Se no passado era deficitário, tinha limitações, quem estava aqui antes que tem que refletir: quantas horas era preciso, se era exigido algum tipo de formação para ser técnico. Pegar o que era feito em outros países e fazer aqui. Pelas informações que eu tenho era um pouco solto. Qualquer um podia ser técnico, não tinha que ter nenhuma certificação.

    Reprodução/Youtube
    Tecnico da Ferroviaria Sergio Vieira durante coletiva. (Foto: Reproducao/Youtube) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O técnico Sérgio Vieira durante entrevista coletiva pela Ferroviária, em 2016

    Você está no Brasil desde 2015. Nesse curto período que está aqui percebeu algo de diferente no futebol do país?
    Eu senti que as pessoas estão fazendo um esforço muito grande [para mudar]. Há pessoas que querem fazer. Mas acho que todos deveriam ajudar, não só algumas pessoas. A Federação Paulista cada vez mais vai se tornando uma referência com as regras que implementam. Vejo que a CBF tem refletido muito nesse tema na formação dos treinadores. Para mim é muito importante, mas é muito pouco.

    O que você ainda vê sendo mal feito?
    Os treinadores muitas vezes são vítimas de outros processos mal construídos. Às vezes existem técnicos experientes, com muitas ideias, só que são vítimas de muitas coisas, como o número de jogos que se realiza aqui e o pouco espaço de tempo de recuperação entre as partidas. É algo que eu não entendo e não consigo entender, porque a Fifa realizou um estudo em que é comprovado cientificamente que o corpo humano está preparado para se recuperar em 72 horas em média para aquele esforço típico do futebol. Mas aqui [no Brasil] continuam realizando jogos com 62 horas de intervalo, com 65, com 68. Se com 72 existem jogadores que ainda não se recuperaram e não estão em condições de render o máximo, imagina jogadores com 68 horas? O que isso vai fazer? Que eles não cumpram aquilo que é pedido em treino, que eles não mostrem realmente a sua capacidade, sua qualidade. Faz com que o espetáculo não seja bom taticamente nem tecnicamente. É tudo uma bola de neve, é tudo um efeito borboleta: um pequeno erro atrapalha tudo.

    Qual a principal dificuldade que você enxerga no futebol brasileiro?
    O mercado aberto, com entrada e saída de jogadores. O negócio aqui é muito fácil. Ao longo do ano se faz muitas transferências. O jogador não tem estabilidade, o treinador não tem estabilidade, a diretoria não tem estabilidade, o clube não tem estabilidade, ninguém tem estabilidade. A qualquer momento pode-se tirar e colocar os jogadores lá. Isso interessa a alguém. Tem jogadores que passa em três clubes no mesmo ano. Não existe um tempo para que o diretor de futebol se foque na ajuda da comissão técnica, desenvolva outras áreas do clube, para que a diretoria foque no trabalho da comissão. Isso é uma grande diferença para as melhores ligas do mundo.

    E por que a escolha do Brasil para ser técnico?
    Foi algo muito natural. Nós em Portugal temos uma cultura muito grande de jogadores brasileiros e até mesmo da América Latina, da África... Entram muitos jogadores em Portugal e sempre tive essa vontade de conhecer como funcionava a realidade de um país que fornece essa matéria-prima de muita qualidade para a execução de um esporte tão bonito como é o futebol. Nesse sentido, a curiosidade era muito grande, porque sabemos que o Brasil além da história que tem a nível de seleção, exporta muitos jogadores devido a dimensão do país. Por isso sempre tive essa vontade de conhecer de perto a realidade competitiva do Brasil. Isso aconteceu quando tive alguns meses parados. Surgiu a oportunidade de conhecer mais de perto e recebi o convite do Atlético-PR. Assim dei início a essa caminhada aqui [no Brasil].

    Se decepcionou ou se surpreendeu com o futebol aqui do Brasil?
    A decisão de vir para cá foi por ter me surpreendido com a organização do Atlético-PR, pelas condições que tem de trabalho, o CT [Centro de Treinamento], a própria cidade de Curitiba, que é agradável de se viver. E a minha decisão de mudar de país, de continente, foi em função da realidade que eu encontrei no Atlético. Era uma realidade muito parecida que eu encontrei nesses anos na Europa, com uma qualidade de trabalho grande.

    Os jogadores no Brasil tratam diferente o treinador estrangeiro? Há mais respeito?
    O jogador trata com respeito qualquer treinador que eles sentem que vai ajudá-lo em algo. Que o cativa, que o convence, que o ajuda, independente de ser estrangeiro ou da nacionalidade. Nós em Portugal passamos muito isso com jogadores estrangeiros.

    *Como foi para você quando divulgaram o áudio em que o ex-presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, te elogiou pelo futebol praticado pela Ferroviária, no Paulista do ano passado?
    Quando é um elogio é sempre bom e positivo, embora que o elogio tem que ser refletido porque eles está vindo. Se é fundamentado ou não. Neste caso teve a ver com o projeto da Ferroviária, acredito eu que por conta da proximidade com o Edinho Silva (ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da presidente Dilma Rousseff e prefeito de Araraquara) e pelo conhecimento daquele projeto. Estávamos bem, com uma boa dinâmica coletiva, tínhamos ganhado do Palmeiras praticando um bom futebol, e foi coincidência. Eu recebi o elogio com muito respeito.

    Aquele estilo que te caracterizou na Ferroviária com posse e toque de bola vai continuar no São Bernardo?
    Sim. Aquilo que ficou mais marcado naquela fase de Ferroviária foi esse né, mas nós tínhamos muitos outros também. TYínhamos uma organização defensiva que pretendiamos ser forte. Contra-ataques rápidos. Tudo isso a gente consegue analisando o elenco que tem. E é o que estamos fazendo aqui no São Bernardo: construir desde o início um elenco com características que nos proporcione uma posse de bola com bom domínio, objetiva. Se vamos conseguir ou não só os adversários vão dizer.

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