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    Sem dinheiro, Estadual do Amapá começa 'concorrendo' com Brasileiro

    ALEX SABINO
    DE SÃO PAULO

    24/06/2017 02h00

    Rodrigo Capote/Uol
    MACAPA, AP, BRASIL, 27-06-2014 : FUTEBOL DE LAMA NO RIO AMAZONAS - O futelama é o futebol jogado na lama do rio Amazonas, que duas vezes por dia se recolhe e deixa uma faixa de praia lamacenta onde os macapaenses jogam um estilo nativo de futebol, que tem federação e campeonato estadual. Monumento que indica a marcação da linha do Equador e ao fundo o estádio oficial do Amapá, o Zerão, que tem a linha do meio de campo como divisa para os dois hemisférios, cada lado do campo fica em um hemisfério. - (Foto: Rodrigo Capote/Uol) ******EMBARGADO PARA USO EM INTERNET******* ATENCAO: PROIBIDO PUBLICAR SEM AUTORIZACAO DO UO
    Linha do Equador, marcada por monumento, divide o campo do estádio Zerão (ao fundo), em Macapá

    Socorro Marinho já se acostumou à piada. Cada vez que entra no banco, os funcionários querem saber se ela está lá para fazer outro empréstimo. Pendurada em dívidas, a presidente do Trem Desportivo Clube tira dinheiro do próprio bolso para sustentar o time amapaense.

    "Sou funcionária pública e consigo empréstimos. Meu marido é advogado e coloca os honorários no clube. Assim a gente leva", afirma ela.

    Neste sábado (24), começa o Campeonato Amapaense de 2017, único Estadual que começa após o início do Brasileiro. O torneio tem seis times e dois meses de duração. O campeão fará nove jogos.

    "Eu não vou colocar meu time em campo sem perspectiva de apoio do governo. Não vou entrar para fazer vexame", disse Aristeu Valente, presidente do Santana.

    A equipe deveria ser a sétima participante, mas desistiu no último dia 15.

    O futebol do Amapá vive em função do poder público. O governador Waldez Góes (PDT) prometeu pedir às empresas que prestam serviços ao governo para ajudarem os clubes. Até agora, nada.

    É um campeonato tão pouco atrativo que não será transmitido por nenhuma TV. Nem as locais. Restam as rádios.

    "Aqui no Amapá só tem apelo os jogos de times do Rio. Todo mundo liga a televisão para ver Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Tirando esses, só o Corinthians. Os clubes daqui vivem com o pires na mão", diz o radialista Tarcísio Franco, que há 22 anos trabalha em partidas do Amapaense.

    A competição começa no segundo semestre para dar tempo aos clubes tentarem, de alguma forma, montar os elencos com jogadores que disputaram outros estaduais.

    Só dois clubes estiveram em atividade no primeiro semestre: Trem e Santos-AP. Ambos participam da Série D do Brasileiro. A CBF oferece passagens aéreas e nenhum apoio financeiro a mais. São mais gastos para Socorro Marinho e o marido, Osmar.

    "Minha família não entende. É a emoção de estar no futebol. Minha filha cresceu odiando o Trem por causa disso. Torcia contra", afirma.

    A folha de pagamento da equipe é de R$ 85 mil mensais. É a segunda maior do Amapá. Fica atrás do Santos, atual campeão: R$ 120 mil.

    CASA ÚNICA

    Apenas um estádio será usado no torneio: o Milton de Souza Corrêa, conhecido como Zerão. O apelido é porque a linha imaginária do Equador, que divide os hemisférios sul e norte do planeta, cruza o campo. A capacidade é para 13 mil pessoas. Mas ninguém sonha que o local estará cheio neste sábado.

    Apesar do ingresso a R$ 10, dirigentes creem em um público de 500 a 700 pessoas.

    Pela prestação de contas apresentada pela Federação Amapaense à CBF, não resta dinheiro para repassar aos clubes. Segundo balanço da entidade, no ano passado foram arrecadados R$ 1.071.910 e gastos R$ 1.070.247,23. Sobraram R$ 1.662,77.

    A Folha tentou falar com o presidente da Federação, o deputado federal Roberto Góes (PDT-AP). Ninguém atendeu ao telefone da entidade. O mesmo para o número do seu gabinete na Câmara, em Brasília. Não houve resposta também para e-mail enviado.

    Ex-prefeito de Macapá, Góes foi condenado em 2016 pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por desvio de dinheiro público. Ele recorreu. É acusado de participar de esquema que redirecionava parcelas dos salários de servidores destinados a pagar empréstimos consignados. A ação diz que ele deixou de repassar R$ 8 milhões ao banco Itaú.

    O grande incentivo para os clubes, mais do que a taça, é o prêmio em dinheiro prometido ao campeão: R$ 800 mil. Motivado por isso, os times improvisam na preparação.

    Nesta semana, o elenco do EC Macapá, sem local para treinar, fez atividade na grama da Fortaleza de São José, ponto turístico da cidade.

    "Só se fala nisso. Todo mundo quer", diz a presidente do Trem. O dinheiro é suficiente para manter o elenco atuando por quase um ano. Ou ajudar a pagar aqueles empréstimos bancários feitos por ela.

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