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    Federação faz 'mea culpa' após abusos a menores na ginástica dos EUA

    CHRISTINE HAUSER
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    29/06/2017 02h00

    Chang W. Lee/The New York Times
    *** ALTA*** FILE -- A gymnast on the uneven bars during 2016 U.S. Women's Gymnastics Olympic Trials in San Jose, Calif., July 10, 2016. UA+SA Gymnastics, the national governing body of the sport, said on June 27, 2017, that it is adopting new recommendations intended to safeguard its athletes, after reports last year that it had routinely failed to notify law enforcement officials about allegations of sexual abuse by its coaches. (Chang W. Lee/The New York Times) ORG XMIT: XNYT188 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Ginasta durante seletiva olímpica americana da modalidade, em San José, na Califórnia

    A Federação de Ginástica dos Estados Unidos, que comanda a modalidade no país, anunciou novas recomendações com a intenção de salvaguardar seus atletas, em função de reportagens publicadas no ano passado que a acusavam de deixar de notificar as autoridades e a polícia sobre acusações de assédio sexual por parte de seus treinadores.

    "Um só caso de abuso contra crianças já seria demais", disse Paul Parilla, presidente da federação, em declaração divulgada na terça (27), em companhia de detalhes sobre as 70 novas recomendações propostas. "A Federação de Ginástica dos Estados Unidos lamenta muito que qualquer pessoa tenha sido prejudicada durante sua carreira como ginasta, e expressamos nosso pesar a qualquer atleta que tenha sofrido abuso ou maus tratos enquanto participava do esporte".

    O relatório surgiu depois de uma investigação publicada pelo jornal "Indianapolis Star" no ano passado. O jornal encontrou quatro exemplos de dirigentes esportivos da ginástica que haviam sido avisados sobre suspeitas de abusos por parte de treinadores mas que optaram por não alertar as autoridades, e afirmou que os mesmos treinadores haviam posteriormente praticado abusos contra pelo menos 14 ginastas menores de idade.

    No final do ano passado, a Federação de Ginástica dos Estados Unidos encarregou uma antiga procuradora federal especializada em crimes de abuso sexual contra crianças, Deborah Daniels, de conduzir uma revisão independente de suas normas. Durante a revisão, Daniels e os pesquisadores da Praesidium, uma empresa especializada em prevenir abusos sexuais em organizações que atendam a crianças e a adultos em situação vulnerável, realizaram mais de 160 entrevistas com pessoas do mundo da ginástica; visitaram 25 clubes e o Centro Nacional de Treinamento de Equipes; e participaram de competições e programas de treinamento em período integral, até o mês passado.

    O resultado do trabalho foi divulgado online em um relatório de 100 páginas na terça-feira, em companhia das recomendações, que o conselho da federação anunciou que adotará com o objetivo de prevenir abusos e adotar práticas mais firmes em seu tratamento de denúncias quanto a eles. As mudanças incluem proibir que adultos fiquem sozinhos em companhia de ginastas menores de idade, o que inclui dividirem quartos de hotéis com eles. Os adultos também estarão proibidos de manter contato com ginastas por e-mail, mensagens de texto e mídia social, fora dos programas de treinamento.

    Embora a Federação de Ginástica dos Estados Unidos já tivesse alguns regulamentos em vigor, o relatório afirmou que a organização, que comanda a modalidade nos Estados Unidos e estabelece regras e diretrizes para atletas e treinadores, precisava colocar em prática o que o texto define como ªuma mudança de culturaº, em sua maneira de fazer as coisas.

    As recomendações se dividem em 10 áreas, entre as quais administração, educação, treinamento e apoio aos atletas, denúncia de possíveis violações, e seleção e verificação de credenciais de treinadores, voluntários e outros adultos que tenham acesso aos atletas. O relatório recomendou que a federação fosse específica quanto a formas proibidas de comportamento, definindo o que é conduta "apropriada" e "inapropriada" nos clubes associados a ela e pelos indivíduos que trabalham com atletas.

    "A maioria dos clubes membros não tem regras escritas quanto a interações físicas e verbais apropriadas e inapropriadas", o relatório afirma.

    A investigação destacou especialmente os problemas para denúncia de abusos em casos de relacionamento entre um atleta e um adulto que talvez exerça controle sobre a carreira do atleta. O relatório cita como exemplo que o procedimento da Federação de Ginástica dos Estados Unidos para denúncia de suspeitas de abuso sexual envolve uma queixa escrita pelos atletas ou seus pais, com o objetivo de promover uma solução para a disputa.

    "É altamente improvável que os jovens atletas (adolescentes ou ainda mais jovens) e seus pais denunciem abusos a uma autoridade que tem tanto poder sobre o sucesso do atleta no esporte", o relatório afirma.
    Mas um grande problema no mundo da ginástica é sua natureza descentralizada. Os clubes são organizações privadas, o que torna difícil rastrear o comportamento de um treinador que se transfira a outra organização.

    "Se a direção de um clube for vigilante, verificará referências e buscará informações sobre os antecedentes do treinador", afirma o relatório. Mas buscas de antecedentes só revelam condenações criminais, o que significa que um novo clube pode não encontrar informações sobre casos prévios de abuso.

    As acusações de abuso lançaram uma sombra sobre a federação de ginástica, especialmente no ano passado, quando o "Indianapolis Star" revelou que a Federação de Ginástica dos Estados Unidos tinha em seus arquivos queixas contra mais de 50 treinadores suspeitos de abusos contra atletas, mas em muitos casos optou por não alertar as autoridades e a polícia quanto aos possíveis delitos. Um dos nomes que constava do arquivo era o de um médico que serviu por muito tempo à equipe de ginástica dos Estados Unidos, Lawrence Nassar, que em fevereiro foi indiciado com 22 acusações de conduta sexual indevida de primeiro grau, envolvendo pelo menos sete vítimas.

    O relatório da Daniels também informa que um treinador acusado de abuso havia trabalhado em pelo menos 12 clubes, em quatro Estados. "Ele deixou uma trilha de sofrimento, na forma de mais de 15 meninas vítimas de abuso cujas vidas sofreram danos permanentes - mas clubes continuaram a contratá-lo, ou porque desconheciam os casos de abuso ou, no caso de pelo menos um clube que era conhecedor do problema, porque supostamente prometeu mantê-lo `sob vigilância'".

    Stephen Drew, advogado que representa ginastas que dizem ter sofrido abuso por parte do Dr. Nassar e que se dispuseram a tornar públicas suas denúncias depois da reportagem do ªIndianapolis Starº, disse que algumas das novas recomendações, como a de notificação imediata de suspeitas de abuso, já eram lei.

    Mas ele disse que as recomendações devem ser usadas para criar "um protocolo claro para documentar e investigar passadas queixas de abuso - e para que a pessoa que faz a queixa mereça crédito desde o começo".

    "Já é difícil o bastante que alguém se exponha e faça uma queixa como essaº, disse Drew. ªTodos os sinais deveriam indicar que a queixa está sendo levada a sério".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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