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    Referência antidoping, médico forjou aval da Anvisa para indicar empresa

    PAULO ROBERTO CONDE
    DE SÃO PAULO

    09/07/2017 02h00

    Fernando Pilatos/ Gazeta Press
    O medico Eduardo De Rose durante palestra sobre doping em simpósio de medicina esportiva
    O medico Eduardo De Rose durante palestra sobre doping em simpósio de medicina esportiva

    Tido como principal referência no combate ao doping no país, o médico Eduardo de Rose forjou autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para recomendar a empresa A&A Nunes, cujo então proprietário é o atual diretor de operações da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), Alexandre Velly Nunes.

    A Folha obteve documento de abril de 2012 em que De Rose, então secretário-executivo da ABA (Agência Brasileira Antidoping), faz lobby para a A&A Nunes –mais conhecida no mercado pelo seu nome fantasia: No Doping.

    Ele atesta que a empresa de origem gaúcha, criada em 2008, é a única do país que detém "autorização da Anvisa para exportar amostras biológicas de urina não contaminadas de atletas, para diagnóstico toxicológico por laboratórios credenciados pela Agência Mundial Antidoping (Wada) no exterior".

    Tal declaração assinada pelo médico era distribuída a confederações, federações e outras entidades esportivas.

    Na prática, o endosso valia como importante aval dos serviços oferecidos pela companhia, ainda mais devido às credenciais de De Rose. A carta também fazia com que entidades dispensassem licitações por entenderem que a companhia prestava serviço de caráter exclusivo.

    A ABA, atrelada ao COB (Comitê Olímpico do Brasil), era quem regulava o combate ao doping antes de a ABCD, órgão federal fundado em 2011, entrar em operação como uma das promessas de legado dos Jogos do Rio-2016. Antes mesmo de a ABCD começar a operar, em 2013, a ABA foi encerrada pelo COB.

    A Anvisa, porém, contesta a declaração do médico. Após analisar o documento a pedido da reportagem, a agência negou ter concedido qualquer permissão para empresas do país exportarem material biológico. Assim, a A&A Nunes jamais recebeu aval dela, como informado.

    "A Anvisa não emite qualquer autorização para exportação de amostras biológicas, e também não emitia à época", disse a Anvisa à Folha, em alusão à declaração assinada por De Rose em 2012. "O documento não foi elaborado pela Anvisa."

    O órgão do governo federal também afirmou que "não anui na exportação de kit antidoping e não emite nenhuma autorização para exportação destes produtos".

    Na declaração da ABA, o médico ressalta outras qualidades da empresa de Nunes. Como, por exemplo, o fato de ela atender às confederações de automobilismo, basquete, canoagem, ciclismo, desportos aquáticos, judô e lutas.

    A missiva também diz que a No Doping "conta com oficiais de controle de doping que seguem o Padrão Internacional de Teste da Wada e que possui uma cadeia de custódia das amostras dentro das exigências legais".

    A Folha também obteve outras mensagens trocadas entre o médico e presidentes de confederações nas quais ele recomenda a empresa como mais gabaritada a realizar serviços antidoping. Procurado, De Rose nega ter qualquer ligação com a companhia e diz que só "conhece" os proprietários dela (leia mais abaixo).

    INVESTIGAÇÃO

    A No Doping detém expressiva fatia do mercado de coleta e envio de amostras no país e foi dirigida por Alexandre Nunes até 2016, quando ele recebeu nomeação para a autoridade brasileira, que funciona como uma secretaria do Ministério do Esporte.

    Hoje, ela é gerida por seus filhos, Alexandra e Rodrigo, e permanece em atividade.

    A empresa é alvo de investigação do departamento de inteligência da Wada por suspeita de oferecer informação privilegiada a um cliente, o que Alexandra nega.

    De Rose pertenceu a comissões médicas do COB e da Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana) e participou da fundação da Wada.

    Ele também foi chefe do departamento antidoping dos Jogos Olímpicos do Rio.

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    OUTRO LADO

    Procurados pela Folha, tanto Eduardo de Rose quanto Alexandre Nunes negaram ter qualquer elo comercial e afirmaram que não se lembravam da declaração.

    O médico disse não se recordar do documento que assinou em 2012, quando ainda era secretário-executivo da ABA (Agência Brasileira Antidoping). "Eu não me lembro de ter escrito nada a respeito disso. Mas você está falando de algo que aconteceu em 2012. Faz cinco anos."

    Ele disse que conhecia, sim, a No Doping, mas nunca teve relação com a empresa. "Como é uma empresa que trabalha nessa área no Brasil, penso que ela vai exportar o material. Não sei de autorização da Anvisa para essa exportação. Mas, se escrevi isso, não me lembro."

    Por meio da assessoria de imprensa do Ministério do Esporte, ao qual a ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem) se reporta, Nunes disse também não se lembrar do documento.

    Ele argumentou que De Rose pode ter citado que a No Doping tinha um cadastro na Anvisa para atuar como coletora de amostras biológicas.

    A reportagem, no entanto, enviou o documento assinado pelo médico para apreciação da agência nacional, que por sua vez assegurou que a autorização citada jamais foi concedida.

    De Rose e Nunes são próximos. Ambos gaúchos, trabalharam respectivamente como gerente-geral e especialista no planejamento regional do departamento antidoping do Comitê Organizador dos Jogos Rio-2016.

    A condução do antidoping da Olimpíada foi criticada em relatório de observadores independentes da Wada. De Rose, por sinal, pertenceu ao comitê executivo da Agência Mundial Antidoping, da qual é membro fundador.

    Também foi integrante da comissão médica do COI (Comitê Olímpico Internacional). Ele também é ligado ao COB (Comitê Olímpico do Brasil) e chefia a parte médica da Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana), que é responsável por realizar os Jogos Pan-Americanos.

    Nas décadas de 1970 e 1980, De Rose também trabalhou em equipes brasileiras de futebol.

    (ALEX SABINO E PAULO ROBERTO CONDE)

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