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    'No Santos vamos falar de trabalho, não de religião', diz técnico Levir Culpi

    KLAUS RICHMOND
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE SANTOS

    09/07/2017 02h00

    SantosFC/Divulgação
    O técnico Levir Culpi em entrevista pelo Santos, do qual é treinador
    O técnico Levir Culpi em entrevista pelo Santos, do qual é treinador

    Levir Culpi, 64, não mede suas palavras. O treinador do Santos, que enfrenta o São Paulo, neste domingo (9), às 19h, na Vila Belmiro, pela 12ª rodada do Brasileiro, chegou há menos de um mês ao clube e ajudou a equipe a, enfim, deslanchar na temporada. Mas ele não está satisfeito.

    À Folha, Levir disse que estuda por fim às concentrações antes dos jogos, alvo de reclamação de jogadores. Outra medida, a mais polêmica, é a proibição aos cultos religiosos dentro do clube.

    O centroavante e pastor evangélico Ricardo Oliveira é a principal liderança religiosa no elenco. Cultos durante as concentrações da equipe se tornaram hábito comum no time da Vila Belmiro.

    "Quando entramos pelo portão do Santos vamos falar de trabalho e de futebol. Agora, quando saímos, cada um vai para onde quiser. Pode ser umbandista ou ateu, mas religião dentro do trabalho, não."

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    Folha - Em outros clubes, o senhor já bateu de frente com jogadores importantes para o seu time como Ronaldinho Gaúcho, Diego Tardelli e Fred. Por que tomou essas atitudes?
    Levir Culpi - São atitudes naturais. Não fico preocupado com o que vou dizer, pois falo o que sinto pela minha experiência no futebol. Hoje, tive uma reunião com os jogadores, falei de frente com alguns. Quero que eles se expressem.

    Qual foi o motivo da reunião?
    Queria conversar sobre algumas coisas que aconteceram aqui e que não gostei. A melhor maneira era essa, só eu e os jogadores.

    Como analisa a cobrança sobre os técnicos brasileiros?
    Tem cobrança de que o cara tem de estudar, que precisa fazer um curso na Europa. Agora, pega o [Pep] Guardiola [treinador do Manchester City] e manda ele vir aqui treinar o Corinthians e o Flamengo para ver como funciona. A impressão que dá é de que conseguimos fazer o que Barcelona e Real Madrid fazem, mas não conseguimos. Quem é que investe € 600 milhões no Brasil? No Barcelona você fica com o Messi, Iniesta e Neymar trabalhando cinco anos juntos. Pode colocar um técnico da segunda divisão do Brasil que a chance de ganhar é grande.

    Fazer cursos fora do país não traz ganhos efetivos?
    Os cursos podem ser feitos no Brasil. O futebol é um esporte lúdico, não é matemática. Dois mais dois com o Garrincha não são quatro. Então, temos que olhar o estado de espírito, a criatividade e uma série de fatores. O nível cultural nosso é muito inferior ao de um europeu, mas o nosso jogador é muito melhor do que um europeu pelo dom de jogar. Não dá para colocar só matemática em prática, dá para melhorar muito a situação de um time estudando, trazendo novas coisas. A fisiologia e fisioterapia evoluíram muito no nosso futebol, são áreas que se atualizaram em meio a calendários absurdos. O futebol está evoluindo, mas dentro dessa maluquice que é para o mundo. Acoplar tudo isso com estudos é interessante, mas é difícil ter surpresas, agora, ainda mais que está tudo uniformizado. Sabemos tudo o que está acontecendo na Espanha, na Rússia, na China. Sabemos o que treinaram, o que fizeram, então não é o caso.

    O senhor já lançou uma autobiografia intitulada "Um burro com sorte" e já falou em um novo livro, que se chamaria "De volta para o inferno". É um projeto mesmo?
    É uma brincadeira com um projeto sério, ou vice-versa. Na verdade, gostaria de contar de maneira alegre as coisas que acontecem e são realidade para mim. Quando falo de volta para o inferno é porque passei sete anos no Japão (treinou o Cerezo Osaka de 2007 a 2013) e voltar ao Brasil, sem dúvida, é voltar para o inferno. Se considerar o que é o futebol no Japão e as coisas por aqui. São culturas completamente diferentes, mas aprendemos muita coisa. Voltei de lá menos crítico, mais livre do medo de dar entrevista, de falar o que tem que ser falado. Aqui há um cuidado de falar mal, de criar um clima. Isso pertence muito a nós brasileiros. Estou levando as coisas de uma forma mais agradável.

    Como acompanhou a demissão do Rogério Ceni?
    Não tive a oportunidade de falar com ele. É meu amigo e o cara mais indicado para isso, com possibilidade grande de dar certo pelo conhecimento e pela capacidade, mas isso é futebol, não tem uma lógica.

    A demissão foi injusta?
    Claro. Por que contrataram o Rogério? Os dirigentes não têm projeto para o clube, eles têm projeto para eles. Uns querem ser políticos, outros têm interesses. Me sentiria completamente usado. O que aconteceu com a seleção brasileira é um negócio absurdo, está tudo junto com a política.

    Alguns jogadores do Santos costumam fazer cultos religiosos na concentração. O que o senhor pensa a respeito?
    Se você adquire a confiança do grupo, como fiz no Atlético-MG, podemos tirar a concentração. Há essa possibilidade, mas vai depender das situações. Sobre o culto religioso, acho que quando entramos pelo portão do Santos vamos falar de trabalho e de futebol. Agora, quando saímos, cada um vai para onde quiser. Pode ser umbandista ou ateu, mas religião dentro do trabalho, não. Quando vamos sair de ônibus nós nos reunimos, fazemos uma oração. É um negócio bacana, que só fortalece o grupo. Apesar de eu ser um agnóstico, aceito qualquer manifestação religiosa desde que não fira alguns princípios.

    Muito se falou sobre a possível saída do Lucas Lima. Acha que pode convencê-lo a ficar?
    Creio que um técnico pode, perfeitamente, fazer a cabeça de um jogador, mas compactuo com a ideia dele sair porque precisamos nos colocar em seu lugar também. Queremos defender o Santos, porém há muitas coisas envolvidas: a parte profissional e a questão financeira.

    O clube está próximo de anunciar a contratação do Nilmar. Idealiza um trio com Nilmar, Kayke e Ricardo Oliveira?
    Dá até para jogar, só não sei o que vai acontecer. Por que não? São jogadores de ótima qualidade técnica. É algo mais para frente, ainda. O Nilmar precisa de uma recuperação física ainda. Ele tem 30 dias para começar a reagir, para ver como está no futebol. Vai ter que equilibrar a parte física, mas está fininho. Há um desequilíbrio muscular, mas o problema dele é o que todos estão sentindo, principalmente os fisioterapeutas e fisiologistas. Se houver a condição de ele jogar normalmente, sem dúvida, será uma somatória para nós.

    Em 2014 o senhor disse que pensava em parar. Qual é o seu projeto atual?
    Pensamos uma coisa hoje, amanhã outra. Eu não sou diferente, mas estou começando a me preparar para parar, sim. Não quero que me parem. Sabe aquela coisa de que ninguém mais procura ou liga? Observando as pessoas aqui do Santos, os ex-atletas que estão aqui têm uma necessidade de estar no clube. Eu sei o que estão sentindo, ficar fora é ruim. A adrenalina é muito forte. Não tenho uma conta, pois pode acontecer de ir para o exterior, gostaria disso ainda. No Brasil são poucos clubes que gostaria de treinar.

    O Santos era um deles então?
    Quando surgiu o nome do Santos fiquei doido. O [ex-ponta direita] Manoel Maria, que é um amigo meu dos tempos de Coritiba, em 1972, me colocou no telefone com o Pelé sem eu saber. Falei com o Pelé e acabei fazendo uma brincadeira dizendo que ele teve muita sorte na carreira por não tê-lo marcado, pois não teria o nome que tem. Arranquei uma gargalhada dele, claro. É algo que vou guardar para sempre. Imagine conquistar um título aqui? Deixar o meu nome na história, quem sabe.

    O clube passa por um processo político, com eleições programadas para o fim do ano. Reflete em vocês essa disputa? Deseja permanecer?
    É algo muito difícil porque não há como conter. A oposição que quer assumir um clube sempre fará alguma coisa, suja ou limpa. Os da situação farão esforço para permanecer. Há uma briga que pode refletir no elenco. Pedi para fazer um contrato só até dezembro com possibilidade de rescisão.

    NA TV: Santos x São Paulo: 19h, Pay-per-view

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    RAIO-X
    Nascimento: 28.fev.1953 (64 anos), em Curitiba
    Principais títulos como treinador: Copa do Brasil (1996 e 2014), Recopa Sul-Americana (1998 e 2014), Paulista (2000) e Mineiro (1995, 1996, 1998, 2007 e 2015).

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