• Esporte

    Saturday, 18-May-2024 08:01:42 -03

    Manchester City aproxima jogadores e torcedores com 'aquário'

    RORY SMITH
    DO 'NEW YORK TIMES'

    27/08/2017 02h00

    Reprodução/City Football Group
    Manchester City cria corredor para torcedores observarem de perto os jogadores -- https://www.nytimes.com/2017/08/22/sports/soccer/manchester-city-fans-tunnel-club.html
    Conceito de proximidade com o público usado pelo City foi importado dos Estados Unidos

    Ao caminhar pelo túnel que liga o gramado aos vestiários, alguns jogadores do Manchester City e do Everton ocasionalmente olhavam para as paredes de vidro que os cercavam. Um dos atletas pareceu confuso por um instante, mas logo deixou para lá.

    Eles estavam preocupados demais após o empate por 1 a 1, na última segunda-feira (21), para se incomodarem com o fato de estarem sendo observados de tão perto.

    Os jogadores estão acostumados a serem assistidos pelos milhares de torcedores que vão aos estádios da Premier League e por milhões de telespectadores -um tipo de escrutínio que normalmente é distante e frio. No túnel, a presença dos observadores parece mais íntima.

    Esse é o Tunnel Club do Manchester City. O nome diz tudo: por preços a partir de 299 libras (R$ 1.200) por partida, e chegando a 15 mil libras (R$ 75,2 mil) para acesso a uma temporada completa, torcedores podem ocupar algumas áreas privilegiadas do Etihad Stadium.

    Quem compra o acesso à essa novidade ganha o direito de observar os jogadores do seu time e do rival quando entram no estádio e podem ver o técnico Pep Guardiola reclamando com o árbitro, por exemplo.

    O túnel é uma ideia que o Manchester City importou dos Estados Unidos, especialmente do Dallas Cowboys, cujo AT&T Stadium oferece programa semelhante. O City adotou o sistema do time de futebol americano e o modificou, para não contrariar costumes do futebol europeu.

    No AT&T Stadium, os atletas passam por bares e multidões entusiásticas, a caminho do campo.

    Na Europa, é outra história. O túnel sempre foi considerado como um espaço sagrado e, por isso, os jogadores em Manchester são vistos como se estivessem em um aquário. Nas imediações, há um bar circular, mesas com garçons, uma carta de vinhos extensa e, nas noites de segunda-feira, uma mesa de degustação de gim.

    O lançamento do Tunnel Club encontrou certa resistência por parte da torcida -não só dos espectadores que perderam suas cadeiras para a instalação de um novo banco com assentos individuais luxuosos, de couro, por trás dos bancos de reservas dos dois times, de onde os membros do novo clube assistem às partidas, mas também de seções mais amplas da torcida do Manchester City, que veem a ideia como uma nova prova de que a Premier League pouco se importa com os torcedores comuns.

    É uma queixa frequente. Clubes que existem por causa da constância de seus velhos torcedores, fiéis e muitas vezes sofridos, agora os estão abandonando em troca de clientes empresariais, em busca daquilo que Adrian Pettett, presidente-executivo da agência de marketing esportivo Cake, define como "espectadores de grandes eventos".

    Ele está falando de pessoas que veem o esporte não como uma forma de identificação tribal mas simplesmente como outra forma de entretenimento, e as mesmas queixas quanto a isso serão repetidas no ano que vem quando o novo estádio do Tottenham for inaugurado. Ele também contará com um clube para acesso ao túnel.

    As preocupações são válidas, é claro, mas o argumento de venda mais forte do Tunnel Club não é o luxo. Padrões de hospitalidade semelhantes já são oferecidos pelo Etihad Stadium, para torcedores capazes de pagar ingressos de alto preço, e a mesma situação existe na maior parte dos estádios da Premier League.

    Não, o que o Tunnel Club oferece é algo de muito diferente, algo que ecoa na maneira pela qual nos engajamos com o esporte na mídia social e pela qual o assistimos na TV, algo que fala ao nosso desejo, como torcedores, de não simplesmente assistirmos a um evento, mas sermos parte dele.

    "Não é só observar", disse James Cook, diretor comercial da Stadia Solutions, consultoria que trabalha para diversos times ingleses. "A era que vivemos é participativa".

    Em um estudo publicado em 2014 pelo "Journal of Consumer Psychology", Thomas Gilovich, professor de psicologia na Universidade Cornell, e seus coautores, Amit Kumar e Lily Jampol, encontraram diferença significativa entre o montante de prazer obtido com a compra de alguma coisa -um bem material- e o montante de prazer propiciado por uma experiência.

    Eles constataram que "aquisições de experiências são mais gratificantes, em média, que aquisições materiais". Experiências, em lugar de coisas, "facilitam um maior número de conexões sociais, estão mais vinculadas ao self, e são experimentadas de maneira mais pessoal". Em outras palavras, fazer coisas, em lugar de comprá-las, torna as pessoas mais felizes.

    A lógica por trás do Tunnel Club, aquilo que lhe confere valor, é que ele adensa a experiência de assistir a um jogo de futebol. Não é só "chegar ao seu lugar 10 segundos antes do pontapé inicial e sair assim que o jogo acaba", nas palavras de Cook. É mais do que isso.

    O Manchester City não transplantou para a Inglaterra a ideia do Cowboys tal qual a encontrou em Arlington, o local do estádio do time.

    A diretoria do clube tentou ajustá-la, aproveitando ideias da Fórmula 1 -espectadores VIPs tradicionalmente têm direito a uma turnê dos boxes quando os pilotos e carros estão sendo preparados para a corrida - e dos shows de música, nos quais acesso aos bastidores é vendido como benefício adicional.

    As pessoas que pagam o alto preço que o Manchester City cobra pelo Tunnel Club assistem a uma palestra tática antes do jogo feita por dois analistas e podem fazer perguntas a Brian Kidd, um dos treinadores assistentes do time.

    Lee Smith/Xinhua
    (170221) -- MANCHESTER, febrero 21, 2017 (Xinhua) -- El director técnico Pep Guardiola, de Manchester City, reacciona durante el partido de ida de octavos de final de la Liga de Campeones de la Unión de Asociaciones de Fútbol Europeas (UEFA, por sus siglas en inglés), ante AS Monaco, celebrado en el estadio Ethiad de Manchester, Reino Unido, el 21 de febrero de 2017. (Xinhua/Lee Smith/Action Images/ZUMAPRESS) (ma) (dp)
    Guardiola acompanha partida do Manchester City

    Podem assistir ao aquecimento dos times de uma área privativa na beira do gramado. Durante esse período, os sócios do Tunnel Club não só têm a melhor visão do estádio como podem pisar na mesma grama artificial que os jogadores encontrarão em campo. É um aditivo sensorial para o efeito geral que o clube está buscando criar: o de que o torcedor é parte da ação, vê o que os jogadores veem e sente o que eles sentem.

    Depois do jogo, os torcedores associados puderam assistir às entrevistas coletivas de Guardiola e de seu colega do Everton, Ronald Koelman.

    E, apesar da resistência inicial de Guardiola, em futuros jogos os membros do Tunnel Club poderão assistir a uma entrevista adicional com um jogador, antes de qualquer outra pessoa.

    "Os torcedores adoram estar do lado de dentro, ver os bastidores", disse Cook. "Algumas das coisas mais populares que fizemos com clubes envolvem câmeras móveis nos centros de treinamento. Essas são coisas que as pessoas normalmente não veem". Tracey Hughes, presidente-executiva da Silicon Valley Sports Ventures e veterana do projeto do AT&T Stadium, disse que via paralelos nas relações dos consumidores com outras marcas.

    "É um diálogo constante entre consumidor e marca", ela disse. "Queremos estar informados sobre o que a marca está fazendo, quer se trate de uma companhia ou de uma pessoa. Queremos saber como são seus dias, que roupas a pessoa usa. Isso faz com que nos sintamos mais próximos, mais conectados. O conceito de acesso foi redefinido".

    Isso é o que leva clubes e atletas a dedicar mais e mais tempo e recursos ao conteúdo para mídia social. Foi o que levou os times a permitir câmeras de TV nos túneis, dois anos atrás -outra decisão na qual o Manchester City esteve na vanguarda-, e a divulgar imagens de seus treinos. Isso também explica a popularidade da chamada spider camera, que acompanha do alto os jogadores em cobranças de falta e escanteios, em diversos estádios.

    Todas essas inovações foram concebidas para oferecer aos telespectadores em casa uma experiência mais próxima, ou para intensificar a experiência daqueles que já têm a sorte de acompanhar o jogo em pessoa.

    "A responsabilidade dos clubes não é só fornecer um assento ao espectador", disse Hughes. "Precisam oferecer aos torcedores a percepção de que eles é que são os donos da experiência".

    Cook disse que "o jargão que ouço o tempo é engajamento dos torcedores".

    Da mesma forma que programas de TV pedem a telespectadores que compartilhem suas impressões por meio de um hashtag específico, os clubes desejam que os torcedores sintam ser parte da experiência, ou seja, que sintam ter comprado não um bem material - um ingresso que lhes confere papel passivo - mas sim uma participação ativa e dinâmica no drama.

    Jason Cairnduff/Reuters
    Britain Soccer Football - Manchester City v Manchester United - Premier League - Etihad Stadium - 27/4/17 Manchester City's Gabriel Jesus reacts after having a goal disallowed Action Images via Reuters / Jason Cairnduff Livepic EDITORIAL USE ONLY. No use with unauthorized audio, video, data, fixture lists, club/league logos or "live" services. Online in-match use limited to 45 images, no video emulation. No use in betting, games or single club/league/player publications. Please contact your account representative for further details. ORG XMIT: UK02oU
    Brasileiro Gabriel Jesus é um dos atletas do City

    O Tunnel Club do Manchester City e a experiência semelhante que o Tottenham em breve oferecerá são uma extensão natural dessa tendência. Os torcedores não querem ficar sentados assistindo a um jogo: eles querem ser parte de um evento. Não querem consumir conteúdo, mas participar de sua criação. Querem não só estar perto dos jogadores mas sentir o que os jogadores sentem.

    É um aditivo sensorial. O apelo do Tunnel Club não é que seja um aquário, mas uma oportunidade de saber como os peixes se sentem.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024