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    Futebol feminino está em mãos de quem não entende, diz Emily Lima

    LUIZ COSENZO
    DE SÃO PAULO

    27/09/2017 02h00

    Ariel Subirá/Futura Press/Folhapress
    Emily Lima, nova técnica da Seleção Brasileira Feminina, concede coletiva na sede da CBF, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ), na manhã desta quinta-feira (3).
    Emily Lima, então técnica da seleção feminina, em entrevista coletiva no Rio

    Demitida na última sexta-feira (22) após quase onze meses no comando da seleção brasileira feminina de futebol, a treinadora Emily Lima, 36, se queixou do seu antigo chefe Marco Aurélio Cunha, coordenador do futebol feminino na CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

    "O nosso coordenador não era favorável à minha contratação desde o início. Por isso, nunca brigou pela comissão técnica. Eu ouvi da boca dele que o resultado não era importante nesse momento do planejamento e, quando perdemos, não tivemos o respaldo necessário", afirmou a treinadora à Folha.

    "Infelizmente, a coordenação da nossa seleção e da modalidade no país está nas mãos de uma pessoa que não sabe uma vírgula do futebol feminino", acrescentou Emiily Lima, que comandou a seleção feminina em 13 partidas e obteve 56,4% de aproveitamento no período.

    "O que ela pediu foi feito pela CBF. O respaldo que demos foi este. Minha função é organizar e cuidar para a modalidade se desenvolver. As pessoas deveriam refletir sobre o seu trabalho, seus resultados e seu comportamento e não repassar a terceiros essas responsabilidades", afirmou Cunha.

    O dirigente disse que a decisão da demissão foi tomada pelo presidente da CBF, Marco Polo Del Nero. De acordo com Cunha, o próprio cartola decidiu recontratar Oswaldo Alvares, o Vadão, que havia sido demitido do cargo há quase onze meses para a contratação de Emily.

    Primeira mulher a treinar a seleção, ela disse achar "estranha" a recontratação de Vadão para comandar a seleção feminina. O técnico havia sido demitido do cargo há onze meses justamente para a chegada de Emily Lima. Na época, a mudança foi uma imposição do presidente da confederação, Marco Polo Del Nero.

    *

    Folha - Como foi sua demissão da seleção brasileira feminina de futebol?

    Emily - Cheguei no Brasil na quinta (21) e marquei de conversar com o presidente na sexta-feira na sede da CBF porque existia essa conversa [de demissão]. O presidente apenas disse que precisava fazer mudanças em virtude dos resultados. Aí mostrei os números desde o início do trabalho, mostrei os números do início do trabalho da outra comissão, que não foi demitida na época.

    Na sequência, ele mudou e disse que conversou com outras pessoas para tomar essa decisão.

    Aí comecei a entender. O coordenador de futebol feminino da seleção brasileira [Marco Aurélio Cunha] não foi favorável à minha contratação desde o início. Não tenho o perfil que ele queria. Sou uma pessoa correta e adoro trabalhar. Você ouvir de um coordenador de uma modalidade que não é bom trabalhar demais é para você desanimar. Foi o que ouvi.

    Quando ficou sabendo que corria o risco de demissão?

    O próprio coordenador disse para algumas atletas após nossa derrota para a Austrália por 6 a 1, em agosto, pelo Torneio das Nações, que teve que me segurar porque caso contrário eu ia cair. Não estou triste com a minha saída porque saí sem ferir meus princípios. Isso é o mais importante. Estou dormindo tranquilamente. O que me deixa triste é que poderia fazer um trabalho muito melhor do que está sendo feito, mas a coordenação da nossa seleção e da modalidade no país está nas mãos de uma pessoa que não sabe uma vírgula do futebol feminino.

    Por que reclama da falta de respaldo?

    Ele [Marco Aurélio Cunha] não brigava pela nossa comissão técnica. Eu ouvi da boca dele que o resultado não era importante neste período, porém, quando perdemos, não tivemos o respaldo. Na seleção masculina, tem um coordenador [Edu Gaspar] que está preocupado e que cuida também das categorias de base. Nossa base é absolutamente esquecida. Nosso coordenador falava que eu tinha que tomar conta só do que é meu.

    Como era o ambiente com as jogadoras?

    Nunca tive problema com atletas desde que me tornei treinadora. Não tenho uma vírgula para falar delas. Tanto é que as atletas pediram nossa permanência. Elas fizeram uma carta [ao presidente da CBF pedindo a permanência da técnica], mas não me falaram nada. Só fiquei sabendo desta carta quando estava indo para a reunião com o nosso presidente. Não toquei neste assunto com ele, que também não falou nada.

    Como foi a conversa para a sua contratação?

    Cheguei para fazer o planejamento, a organização, visando Copa América, Mundial e Olimpíada. Quando cheguei, não tinha nada planejado para esta temporada. Minha ideia era fazer um trabalho a médio e longo prazo. Não tive tempo. Não consigo entender o porquê do pouco tempo. Se fosse para ter resultado imediato, enfrentaria seleções frágeis. Nosso foco era a Copa América-2018 [classificatória para o Mundial e Olimpíada] e fui atrás das melhores seleções. Enfrentamos apenas seleções com ranking superior ao nosso, com exceção do amistoso contra a Bolívia, que optamos por questões de avaliações físicas.

    Como era sua relação com o presidente?

    Eu fui questionada pelo presidente em agosto após as derrotas para os EUA e Austrália. Ele falou que as jogadoras não estavam bem fisicamente. Ele me falava que a seleção permanente tinha sido um sucesso, mas não consigo enganá-lo. Eu explicava que não teria motivo para ter uma seleção permanente se a maioria das jogadoras estava fora do país. Ele pediu para eu fazer uma seleção com outras meninas, mas coloquei que não tinha necessidade, já que não usaria essas meninas. Se ele trouxesse 50% das meninas que estavam sempre na nossa relação, eu montaria a seleção permanente. Não é certo ter uma seleção permanente sem a maioria das principais jogadoras e ficar recebendo por isso. É triste você querer fazer o trabalho correto e não poder.

    A CBF deu muita estrutura para a gente efetuar o nosso trabalho. O problema são as pessoas que trabalham com o futebol feminino. Deveria existir uma escolha melhor dessas pessoas.

    O que achou da contratação do Vadão?

    É estranha porque quando eu assumi o nosso presidente reclamou de algumas coisas e agora volta atrás. Tem muito a ver com o nosso coordenador. Eles eram muito amigos. Até uma das nossas atletas questionou o nosso coordenador da amizade que ele tinha com a outra comissão e não via essa relação com a nossa. Não tinha essa integração com a gente. Agora é torcer pela modalidade mesmo sabendo que será muito difícil.

    Mudaria algo em seu comportamento após sua saída da seleção?

    Não mudaria nada. Continuaria a mesma Emily de sempre.

    Você foi a primeira treinadora a comandar a seleção feminina. Na sua opinião, houve machismo na sua demissão?

    Não, não houve. Eu incomodava muita gente lá dentro em virtude da minha preocupação. Eu ligava para alguns setores dentro da CBF e as vezes não atendia, mas não houve machismo. Não vou ficar me apegando a isso.
    O futebol feminino na confederação está nas mãos de uma pessoa que não entende do esporte.

    *

    RAIO-X: Emily Lima

    Nascimento
    São Paulo, 29 de setembro de 1980

    Clubes como jogadora
    São Paulo, Palestra de São Bernardo, Veranópolis, Sporting Huelva (ESP), Baloncesto Estudiantes (ESP)

    Clubes como treinadora
    Juventus, São José, seleções sub-15, sub-17 e principal

    Conquistas como treinadora
    Internacional de Futebol Feminino e vice da Copa do Brasil

    Edição impressa
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