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    Jogos de Inverno buscam patinadores da Coreia do Norte para aliviar tensão

    DO "NEW YORK TIMES", EM OBERSTDORF, ALEMANHA

    28/09/2017 12h00

    Reuters/Reuters
    Pessoas depositam flores em estátuas de bronze dos líderes da Coreia do Norte (já falecidos), Kim Il Sung e Kim Jong Il, em Pyongyang
    Em Pyongyang, pessoas visitam estátuas dos ex-líderes da Coreia do Norte, Kim Il Sung e Kim Jong Il

    O próximo esforço para moderar a troca de ameaças nucleares quanto aos testes de bombas e mísseis da Coreia do Norte pode vir não dos diplomatas mas de uma dupla de patinadores artísticos norte-coreanos que se apresentam ao som de canções dos Beatles.

    Uma obscura competição de patinação em Oberstdorf, na Baviera, quinta (28) e sexta-feira (29), ganhou urgência geopolítica porque entre os participantes está a dupla Ryom Tae-ok e Kim Ju-sik, que pretende obter classificação para a Olimpíada de Inverno de 2018, em Pyeongchang, na Coreia do Sul, e seria a primeira presença norte-coreana na competição.

    "Estamos cientes de que existe muito interesse", disse Kim Hyon-son, o treinador da dupla, depois de uma sessão de treinamento na quarta-feira, em uma breve entrevista com a ajuda de um intérprete.

    A despeito dos testes nucleares, lançamentos de mísseis e outras ameaças belicosas, a Coreia do Norte anunciou recentemente que estudaria participar dos Jogos. Sua delegação de patinação artística de quatro pessoas, aqui na Baviera, parece um pouquinho reservada mas acessível e amistosa.

    E ninguém se sentiria mais aliviado com uma vitória norte-coreana nos rodopios e saltos sobre o gelo, esta semana, do que os dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do esporte sul-coreano. Eles afirmaram repetida e vigorosamente que desejam a participação da Coreia do Norte, um dos países mais isolados do planeta, no evento que está sendo promovido como "Jogos da Paz".

    Embora as Olimpíadas tenham sido maculadas por custos assombrosos e corrupção endêmica, o movimento olímpico ainda busca o ideal de que o esporte promova a união das pessoas mesmo que os governos que as representam se mantenham hostis e distantes.

    Na ONU, uma semana atrás, Moon Jae-in, o presidente da Coreia do Sul, definiu o comportamento agressivo da Coreia do Norte como "extremamente deplorável". Mas prometeu que usará a diplomacia com relação ao seu vizinho ao norte, e se opõe a ações militares. Moon adotou um tom cautelosamente otimista, na cerimônia de apresentação do design das medalhas olímpicas dos Jogos de 2018, realizada no Museu Metropolitano de Arte de Nova York.

    A Coreia do Sul enfrentará "um desafio difícil mas significativo", para realizar Jogos Olímpicos tranquilos e com a participação da Coreia do Norte, ele declarou em seu discurso.

    Se os representantes norte-coreanos não conseguirem classificação, os dirigentes olímpicos disseram que considerariam a possibilidade de convidar alguns atletas, para incentivar o regime norte-coreano a participar. Um plano para que uma delegação de atletas e dirigentes esportivos norte-coreanos marche pela zona desmilitarizada entre as duas Coreias, como um gesto de paz, continua em consideração.

    "As tensões são elevadas agora, mas por causa disso a paz é ainda mais necessária", disse Moon. "Se as duas Coreias se unirem nesse momento, isso será uma grande oportunidade de enviar ao mundo uma mensagem de paz e reconciliação".

    Ele acrescentou que "não acredito que seja impossível".

    Chang Ung, delegado norte-coreano ao COI, disse ao canal de TV online do COI na metade de setembro que "estou bem certo de que política é uma coisa e a Olimpíada é outra. Por isso não vejo quaisquer grandes problemas para a Olimpíada de Pyeongchang".

    O caminho mais fácil é que os atletas norte-coreanos se qualifiquem em competições seletivas.

    Da metade de junho à metade de agosto, a dupla norte-coreana formada por Ryom, 18, e Kim, 25, treinou em Montreal, para refinar sua apresentação, com o objetivo de tentar conquistar uma das cinco vagas olímpicas disponíveis esta semana na disputa do Troféu Nebelhorn.

    Os patinadores, seu treinador e um dirigente da patinação artística norte-coreana falaram muitas vezes sobre a Olimpíada, disse Bruno Marcotte, um renomado treinador franco-canadense que trabalhou com a dupla.

    "Eles me perguntavam o tempo todo se eu achava que tinham chances de classificação, se eles eram bons o bastante, e queriam saber o que precisavam fazer para se classificar", disse Marcotte sobre a dupla, que deseja chegar ao top 10 entre as duplas de patinação mista internacionais.

    "Eles não queriam falar de política", disse Marcotte, que também veio à Baviera para auxiliar os norte-coreanos. "Tudo girava em torno do esporte, de serem os primeiros a chegar a uma Olimpíada, de derrubarem barreiras e fazerem o seu melhor".

    Os políticos e dirigentes olímpicos sul-coreanos, bem como alguns atletas internacionais, em geral acreditam que os Jogos seriam mais seguros caso a Coreia do Norte participasse, o que reduziria as preocupações de segurança e talvez ajudasse a elevar as vendas fracas de ingressos.

    De acordo com dessa interpretação, Kim Jong-un, o imprevisível líder norte-coreano, provavelmente moderaria suas provocações se atletas de seu país estivessem competindo na Olimpíada ao lado de atletas da China, que é vista como benfeitora da Coreia do Norte.

    "Tê-los lá é como uma apólice de seguro", disse Ted Ligety, que conquistou dois ouros no esqui alpino pelos Estados Unidos.

    É claro que não existe maneira de prever qual será a situação política na península coreana dentro de quatro meses, quando acontecerão os Jogos de Inverno, a pouco mais de 60 quilômetros da zona desmilitarizada que separa Coreia do Norte e Coreia do Sul.

    E não existe garantia de que a Coreia do Norte participará. O país não é forte nos esportes de inverno e não competiu nos Jogos de Sochi, em 2014 na Rússia. Também boicotou a Olimpíada de Seul, a capital da Coreia do Sul, em 1988.

    Os Jogos de 2018 parecem estar despertando cada vez mais cautela. A França anunciou que sua equipe olímpica não viajaria à Coreia do Sul se não houver como garantir sua segurança.

    Ainda assim, Thomas Bach, o presidente do COI, disse que até o momento "não há nem sinal" de que preocupações de segurança associadas à Coreia do Norte representem ameaça aos Jogos. De qualquer forma, dizem dirigentes esportivos, é tarde demais para transferir a olimpíada.
    "Não há plano B", disse Anita DeFrantz, norte-americana que é vice-presidente do COI.

    Chang, o delegado norte-coreano ao COI, disse que os atletas de seu país tentariam se classificar para os Jogos na patinação de velocidade e no esqui nórdico, que inclui eventos cross-country. De acordo com a agência de notícias Reuters, a Coreia do Norte se queixou formalmente de que as sanções internacionais haviam afetado sua capacidade de adquirir o equipamento de esqui necessário para o treinamento.

    Em abril, a Coreia do Norte enviou sua equipe feminina de hóquei sobre o gelo para jogar na Coreia do Sul. Em junho, enviou uma equipe de taekwondo ao país vizinho. Naquele mês, o ministro do Esporte sul-coreano mencionou possibilidades como a de os dois países disputarem o certame de hóquei sobre o gelo olímpico com uma seleção unificada, e a de que a Coreia do Norte sediasse a competição de esqui alpino.

    Essas perspectivas agora parecem improváveis, disseram dirigentes olímpicos e membros do governo da Coreia do Sul, na semana passada em Nova York.

    "A Coreia do Norte é minha maior preocupação", disse Choi Moon-soon, governador da província sul-coreana de Gangwon, na qual acontecerão os Jogos de inverno de 2018, em entrevista recente. "E não é porque a Coreia do Norte terá grande impacto na Olimpíada, mas porque, se a Coreia do Norte participar, isso será uma grande contribuição para nossa meta de realizar a Olimpíada da Paz, e ajudará muito nas vendas".

    Se a Coreia do Norte participar, talvez seus atletas mais visíveis - ou seus únicos representantes - sejam Ryom e Kim. Eles terminaram o campeonato mundial de patinação artística de 2017, realizado em março, no 15º lugar, com um estilo influenciado pela clássica eficiência russa, e exibindo posicionamento preciso de suas cabeças e braços.

    Usando trajes pretos e prateados, em seu treinamento na quarta-feira, a dupla deslizou pelo gelo ao som de uma versão instrumental de "A Day in the Life", dos Beatles, na interpretação de Jeff Beck, que será o pano de fundo musical de sua primeira apresentação, nesta quinta-feira.

    Mencionar a música pode ser uma questão delicada, em termos culturais. No campeonato mundial, os norte-coreanos abandonaram uma breve entrevista à agência de notícias Associated Press quando o repórter lhes perguntou de que forma haviam escolhido a canção dos Beatles.

    Na quarta-feira, Ryom e Kim estavam sorridentes durante o treinamento, ainda que aparentassem nervosismo. ("Eles estavam forçando demais", disse Marcotte.) Mas receberam aplausos corteses das cerca de 50 pessoas que os assistiram treinando no Eissportzentrum de Oberstdorf, uma aldeia alpina com pastos, vacas portando sinos, e neve espalhada pelos picos mais altos.

    Não é incomum que duplas de patinadores tenham relacionamentos artisticamente conflituosos, e, nas palavras de Marcotte, um treinador muitas vezes funciona como uma espécie de conselheiro matrimonial. Mas os norte-coreanos demonstraram otimismo imperturbável ao longo de seu treinamento, ele disse. E até fizeram kimchi, um prato típico coreano, para uma dupla sul-coreana que também treinou com ele.

    "Acho que existe uma vontade de amizade, uma vontade de paz", disse Marcotte sobre os patinadores. "Eles pareciam tão determinados e positivos. Eu não esperava isso. Eram como esponjas. Queriam demais aprender".

    Ryom e Kim estarão sob enorme pressão e escrutínio esta semana, em sua tentativa de classificação para a Olimpíada, disse Marcotte. Mas eles parecem confiantes, acrescentou.

    Ri Chol-un, dirigente da associação de patinação artística da Coreia do Norte, disse que a dupla pode até conversar com jornalistas na sexta-feira, depois do final da competição.

    "Desde que o assunto seja a patinação artística", ele disse.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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