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    Caso Nilmar chama atenção para depressão no esporte de alto nível

    ALEX SABINO
    DE SÃO PAULO

    29/09/2017 02h00 - Atualizado às 14h27

    Santos FC/Divulgação
    SANTOS,SP - Nilmar em treino do Santos no Ct Rei Pele.
    Nilmar foi contratado pelo Santos no início de julho e jogou duas vezes

    A depressão de Nilmar, 33, atacante do Santos, foi detectada após a volta da viagem para Belo Horizonte, onde o Santos enfrentou o Cruzeiro, pelo Brasileiro, em 27 de agosto. A mulher do jogador, Laura, telefonou para o clube dizendo que o marido não queria sair do quarto e estava com medo de ir à rua. Foi quando o departamento médico percebeu a gravidade da situação.

    O caso de Nilmar é mais um da doença mental ainda não totalmente aceita no mundo do esporte de alto rendimento. No elenco do Santos, outro atacante, Thiago Ribeiro, sofreu com o distúrbio em 2014 e até hoje não tem explicação para o momento em que começou a senti-lo.

    "Foi de uma hora para a outra. Eu estava vindo de lesão. Então, não sei o que aconteceu. Não foi um problema familiar, nada disso. Apenas aconteceu", confessa ele, recuperado e integrante do grupo santista.

    A Folha apurou com funcionários do CT Rei Pelé, onde o elenco profissional treina, que Nilmar não aparentava tristeza excessiva. Disse a colegas acreditar estar treinando bem, fazendo gols nas atividades. Exame realizado no clube detectou que ele, apesar de estar há 14 meses sem disputar uma partida profissional, estava em condições físicas cerca de 25% inferiores às do restante do elenco.

    A avaliação da comissão técnica era de que não teria fôlego para começar como titular, mas poderia ser utilizado por até 45 minutos das partidas. Tinha chance de se tornar peça útil em competições como a Libertadores, por exemplo, ou na reta final do Campeonato Brasileiro.

    "Depressão não combina com esporte porque ele tem imagem de vigor, energia, alegria. Depressão é o oposto. O atleta não tem tempo de elaborar a tristeza do recolhimento, do afastamento. Ele vive uma máquina que gira o tempo inteiro e perde a referência. A gente vive na sociedade em que as pessoas não têm o direito de ficarem tristes", afirma Katia Rubio, psicóloga da Escola de Educação Física e Esporte da USP (Universidade de São Paulo).

    Rubio elogia a atitude de Nilmar de assumir a doença e reconhecer precisar de ajuda. O jogador solicitou que o Santos suspenda seu contrato -que vai até o final de 2018 - enquanto estiver em tratamento. Pediu para não receber o salário de R$ 200 mil mensais. Foi decisão considerada "digna" por dirigentes ouvidos pela reportagem.

    NA ITÁLIA

    Gianluigi Buffon, goleiro da Juventus (ITA) e campeão mundial em 2006 com a seleção da Itália, apenas reconheceu ter sofrido da doença anos depois. Assim como Thiago Ribeiro, afirma que ela apareceu de repente e, quase incapacitante, a fazia ter receio de treinar e jogar e não querer deixar sua casa. Ouviu conselhos para se afastar do futebol para se tratar. Recusou. Procurou especialista enquanto continuava trabalhando. Recusou-se a parar.

    "Se me afastasse, teria de me aposentar. Porque quando jogasse depois que estivesse curado, não teria paz. Tudo seria culpa da depressão. Se levasse gol, seria por causa da depressão. Se a equipe perdesse, seria minha responsabilidade e da depressão", disse o jogador que deverá ser titular da sua seleção em 2018, na Copa da Rússia.

    O Santos disponibilizou acompanhamento para Nilmar, que é tratado pela psicóloga do clube, Juliane Fechio. Tem sido medicado, o que é um processo não tão simples quanto parece.

    "A medicação da depressão demora para fazer efeito. Não é imediato. Começa a fazer depois de dez a quinze dias. E depois ainda é preciso regular a dose para atingir a finalidade desejada", explica Katia Rubio.

    Alguns desses remédios são considerados doping. Mas um atleta em atividade pode utilizá-los, se comunicar as autoridades antes da competição, acompanhado de laudo médico.

    Por receio da condição física do jogador, Levir Culpi pouco o utilizou. Relacionou-o para jogos do Brasileiro e o deixou no banco de reservas. Ele atuou apenas contra Coritiba e Cruzeiro, por 39 minutos.

    Nilmar tem a esperança de que o Santos será o clube para provar de que ainda pode atuar em alto nível no futebol, algo que chegou a duvidar em partidas que não foi utilizado. Dirigentes chegaram a pensar em mandar uma mensagem para ele e assegurar que terá tempo de provar isso. Foram desaconselhados para que o atleta não se sinta pressionado. O mesmo foi dito aos jogadores.

    "Eu tenho responsabilidade de voltar ao alto nível. Venho para me resgatar", ele disse ao ser apresentado no Santos, em 10 de julho.

    "Todo atleta deveria ter acompanhamento psicológico. É profissional de ação diferenciada. Quase não tem vida privada. A depressão é quando você não consegue achar o chão para sair de um poço que parece sem fim. É dor que não é mensurada. As questões mentais [no esporte] são menosprezadas porque não são visíveis, como são as lesões", completa a professora da USP.

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