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    Rueda pede o fim de 'disputa idiota' entre santistas de Santos e da capital

    ALEX SABINO
    DE SÃO PAULO

    08/12/2017 02h00

    Ricardo Nogueira/Folhapress
    SANTOS, SP, BRASIL, 07-12-2017, 11h00, ELEICAO NO SANTOS, CANDIDATO ANDRES RUEDA: Candidato a presidencia do Santos, Andres Rueda, posa para foto em seu comite de campanha em Santos, litoral sul de Sao Paulo. (Foto: Ricardo Nogueira/Folhapress) ***exclusivo Folha***
    Andres Rueda em seu comitê eleitoral, próximo da Vila Belmiro

    Foi em 2014 que Andres Rueda percebeu que teria de entrar na política do Santos. Ele emprestou ao clube cerca de R$ 1 milhão para a compra de 10% dos direitos econômicos de Lucas Lima. Se o pagamento não fosse feito, o jogador teria de voltar para o Internacional, em a Porto Alegre.

    Desconfiado do que a diretoria comandada por Odilio Rodrigues faria com o dinheiro, ele o depositou na conta do clube gaúcho. Não o deu ao Santos.

    "Eu já sabia que a Doyen [empresa que ajudou a contratar o meia] tinha depositado essa quantia na conta do Santos, mas foi gasto com outras coisas", afirma.

    Dono de empresa com mais de seis mil funcionários e ex-diretor de Tecnologia da Informação da Bovespa, Rueda foi integrante do comitê de gestão por seis meses, em 2015, na administração de Modesto Roma.

    "Percebi que aquele modelo não ia para frente. Não batia com os meus princípios de gestão", completa.

    A reclamação é que os integrantes do comitê são convidados pelo presidente, o que torna o ambiente quase de servidão ao mandatário. Ele quer que estes sejam eleitos pelos sócios e tenham maior independência.

    Vítima de poliomielite na infância, Rueda deseja acabar com o que considera um mito: de que administrar uma empresa privada e um grande clube de futebol são coisas diferentes. Um por um, cita princípios de governança que usa em sua companhia e pretende implantar na Vila se for eleito.

    "Se você vai comprar um jogador, é transação comercial. A mesma transação que qualquer empresa faz. Muda a grandeza de valor. O clube paga comissão? A empresa paga também. Mas vou renovar com um jogador que já é meu. Por que vou pagar comissão? Não tem sentido!", questiona.

    Por sua candidatura ser a união de mais de dez grupos políticos, Rueda foi a maior vítima de boatos de que desistiria da eleição para apoiar outro nome da oposição. Algo que sempre negou, embora confirme ter conversado com outras lideranças em busca de uma candidatura de consenso.

    "As propostas não são tão diferentes. O Santos precisa de credibilidade e competência", finaliza.

    Leia abaixo a íntegra da entrevista com Andres Rueda:

    *

    Folha - Por que o senhor resolveu ser candidato?

    Andres Rueda - Não sou político. Sou empresário, formado em matemática, tenho 61 anos, minha especialidade é na área de informática, na juventude passei pelo Bradesco e pelo IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas]. Durante 20 anos fui diretor de TI [Tecnologia da Informação] da Bovespa e BM&F [Bolsa Mercantil e Futuros]. Fui gestor de ISO na bolsa, de governança. Até que 20 anos atrás abri minha empresa de processos de tecnologia e atendimento. Sou diretor-presidente dessa empresa de seis mil funcionários.

    Mas em que momento se envolveu com a política do clube?

    Comecei a me envolver com a política do Santos quando fui convidado a fazer parte do comitê de gestão [em 2015]. Fiquei seis meses e vi que aquele modelo não ia para frente. Aquele modelo não batia com os meus princípios de gestão e resolvi sair. Quando saí, pensei que não ia funcionar nunca. Tinha de mudar para que as coisas começassem a funcionar, os princípios de gestão que basicamente obrigam a praticar o que o estatuto manda, que as decisões precisam ser colegiadas em torno do comitê de gestão. Esse comitê hoje é formado por indicação, o presidente indica e a pessoa que senta lá fica desconfortável porque foi convidado. Isso tem de ser alterado. O comitê de gestão tem de ser eleito pelo sócio. A pessoa tem de estar lá tranquila, sabendo que não foi colocada pelo presidente e sim pelo sócio. Com toda a responsabilidade e autoridade. Criamos esse movimento que escolheu esse modelo.

    A visão geral é que o comitê de gestão jamais funcionou no Santos, a não ser quando surgiu em 2010 como "grupo guia" no início da administração de Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro.

    Isso é cultural no futebol brasileiro. O regime é presidencialista, o cara faz o que bem entender com o clube e é uma pessoa que manda. Isso não funciona, ainda mais no futebol, que é um ambiente muito estranho. Quando você monta um colegiado de gestão, divide o poder de decisão. As pessoas devem teoricamente entender dos assuntos. Isso nunca foi colocado em prática. Na época do Odilio [Rodrigues, presidente entre 2013 e 2014], era o espelho de cada área e isso cria um monte de feudos. Comitê de gestão tem de ser um local de decisões para o clube, não um comitê técnico. Decidir se tem de reformar a Vila ou não, mas sem fazer trabalho de engenharia. É para tomar decisão. Aí funciona direitinho porque não é só uma pessoa decidindo o que deve ser feito. São mais cabeças pensando.

    O Santos tem uma dívida impagável no momento? Como o senhor vai administrar isso ao ser eleito e ainda montar um time para 2018?

    É preciso de ter planejamento. A dívida é impagável, mas você primeiro tem de alongar essa dívida. Deve ter um ar para respirar e tocar o clube. Deve chamar parceiros que ajudem nessa parte financeira e equacionem a dívida. Com planejamento e atitudes sérias você consegue aumentar a tua fonte de receitas, reduzir as despesas e pouco a pouco abate a dívida.

    O que são parceiros financeiros?

    Você tem muita coisa. A gente fala muito de renda do futebol, Vila Belmiro ou em São Paulo. Em 2015, eu estava no comitê de gestão e me lembro bem. A receita inteira do clube em jogos na Vila Belmiro ou Pacaembu era R$ 6 milhões. Era pífia. A gente precisa trazer a torcida de volta para o estádio. Podemos trazer patrocinadores para que eles banquem as rendas e tragam torcida, já que a gente não sabe fazer isso bem. A gente trata mal a torcida, trata mal o sócio e infelizmente o clube não está estruturado, apesar de todas as tentativas. A realidade é essa. A torcida está aumentando. Sairá uma pesquisa que vai mostrar que não estamos tão ruins quanto se imaginava, mas a torcida não está participativa. Está distante do clube.

    Suas declarações de que o Santos não pode ver a Rede Globo como inimiga causaram controvérsia entre os candidatos. Como o senhor vai negociar essa questão dos direitos de TV?

    São contratos em vigor. A gente vai ter de conversar com os fornecedores e sempre buscar a melhor condição para o clube. A Globo tem direito de transmissão em canais abertos e é a única. Não há como negociar com outros. A situação do clube perante essa realidade é muito ruim. Estamos penalizando nossa torcida, que não pode ver o clube jogar. É ruim para a torcida, para a formação de novos torcedores. Você só pode torcer por quem vê na TV. A gente tem de mudar isso. Se a Globo é a única detentora dos direitos em TV aberta, não tem como fugir de se sentar à mesa com a emissora e dizer que do jeito que está não está bom. O clube está sendo penalizado e isso precisa mudar. Acredito que vamos conseguir.

    O número de funcionários do Santos preocupa o senhor?

    Não sei. Fala-se muito. No nosso programa de gestão a gente propõe um organograma com todas as áreas do clube. Procuramos uma empresa especializada nesse serviço de recursos humanos e estrutura. Estamos fazendo levantamento de cada departamento. Qual a quantidade exata de pessoas que são necessárias, qual o perfil de cada funcionário, quem tem de ser engenheiro, quem tem de ter experiência e falar inglês... Isso em cada área. Aliado a isso está sendo feito um estudo de salário condizente a cada função. O somatório disso vai nos dizer quantos funcionários o clube precisa. Qualquer coisa que se faça sem esse estudo é leviano. Não dá para afirmar hoje se o clube precisa de 100 ou 800. O Santos não tem organograma. Você não sabe se todos os departamentos estão com o quadro de funcionários que precisam.

    E a Vila Belmiro?

    Vamos jogar 50% dos jogos no Pacaembu. A Vila é nossa casa. Ela merece uma bela reforma. Nosso sócio é muito mal atendido. Ele sofre na Vila, sofre no Pacaembu, sofre de todas as maneiras. Vila tem de ser modernizada. É o nosso templo sagrado. Futebol é história. Esse é o grande diferencial dos times. A Vila tem de ser reformada para dar conforto para os sócios. Temos de jogar fora da Vila, mas não para ter mais renda. Para formar torcedores. Temos de acabar com essa disputa idiota de Santos e São Paulo. Temos de arranjar um jeito para que o sócio de Santos tenha comodidade para ir a um jogo quando for em São Paulo. Colocar para os donos da cativa ônibus que os levem e tragam de volta. Os sócios de São Paulo também devem ter essa facilidade. O sócio tem de ver Vila e Pacaembu como uma coisa só.

    Mas como fazer isso?

    Ir atrás de patrocinadores. O Santos não tem caixa para fazer reforma [da Vila]. A situação de caixa, de dívida e receita corrente não permitem a você se aventurar a fazer isso. Com planejamento e mudando a visão que se tem do clube, tenho certeza que a gente consegue. Estamos conversando com investidores e há interesse em investir no Santos por tudo o que representa e representou. Não vai ser fácil, mas acho que é o caminho. E ainda tem a questão dos ídolos. Quando a gente fala em ídolos do clube, estamos inseridos na indústria do entretenimento. Em todo espetáculo você precisa ter o que chama o grande público. Se você monta um espetáculo no Teatro Municipal de São Paulo com a Orquestra Sinfônica de Viena, é uma coisa. Mas se tiver o maestro João Carlos Martins é mais um diferencial. Você tem de ter algo mais que chame o espetáculo. Isso o Santos teve por muito tempo com o Pelé. Ele fez muita gente torcer pelo Santos. Ele me fez torcer para o Santos. Você precisa ter o diferencial.

    O senhor fez parte da administração do presidente Modesto...

    Por seis meses, sim.

    Por que saiu?

    Porque ele não respeitou o princípio de que as decisões devem ser tomadas pelo comitê de gestão.

    O senhor hoje é candidato pela oposição. No que o atual presidente errou?

    Ele carrega nas costas todo o peso do regime presidencialista que o clube não tem. Ele encontrou um clube com dívidas. Na minha opinião, não se cercou de pessoas capazes. O maior erro do Modesto foi a gestão de pessoas. Uma das coisas que não entendo é como o Santos não tem um e-commerce do clube, não terceirizado como existe hoje. Algo que as Casas Bahia, Marisa, qualquer confecção de esquina tem... O Santos não tem. Um local em que você possa comprar a camisa, um produto do clube, pagar no cartão ou no boleto e receber em casa. Mas isso é tão básico... A torcida fica reclamando que não acha produtos nas lojas.

    A atual administração teve a iniciativa de ser a fabricante da própria camisa. Hoje há acordo com a Umbro. Qual modelo pretende adotar?

    Já foi assinado um contrato, não é? Vamos analisar. O Santos tem de parar de fazer coisas que não sabe fazer, como fabricar camisa. O parceiro tem de pagar royalties para o Santos e fornecer os uniformes. O Santos sempre teve um problema com esses parceiros comerciais. Sempre esbarrou na distribuição. Esse modelo de fabricação própria não tem o menor sentido. O clube já encontra dificuldade para administrar o futebol e ainda vai se meter em outras searas?

    Mas há outros clubes que fizeram isso...

    O que falta no futebol brasileiro é gestão profissional preocupada com o clube. A maior parte dos clubes não tem projeto, planejamento a médio e longo prazo... Nada. Só tem projeto onde pode ter vantagem econômica. No frigir dos ovos é isso. O pessoal não pensa no clube como empresa. Onde está o dinheiro? É no almoço? Então vamos fazer o almoço. Ninguém se preocupa se depois tem de vir alguém para limpar a mesa e preparar o restaurante para o jantar. O clube de futebol brasileiro está em uma indústria altamente profissionalizada, mas não é profissional. Toda empresa tem projeto a médio e longo prazo. Você precisa ter planejamento! Como a gente vai estar em 2020, 2021, 2022? Há projetos que não dão retorno financeiro, mas oferecem fixação de marca e imagem. Nem todos os projetos do clube são de investir um para ganhar dois.

    O senhor emprestou dinheiro para ajudar na contratação do Lucas Lima. Recebeu de volta?

    Recebi. As coisas aconteceram apenas porque eu depositei a quantia [R$ 1 milhão] diretamente na conta do Internacional. A Doyen já tinha dado o dinheiro para o Santos comprar 90% dos direitos do jogador na época do Odilio. Colocaram o dinheiro no fluxo do caixa e não compraram. De um dia para o outro o Santos pagava ou o Lucas Lima voltava para o Inter e já havia proposta maior para ele ir para o exterior. Vai que de repente pagam a floricultura e não usam o dinheiro para comprar o jogador...

    A pressão financeira de estar sempre em dia com a folha de pagamento, na situação atual do Santos, é um problema?

    Não entra na minha cabeça. Há duas contas que o clube tem de pagar. Profut é uma conta sagrada. Você tem de quitar senão te quebra. E depois os jogadores, senão você perde ativo. Quando você não tem dinheiro e sua dívida não está resolvida, você não gerencia a parte financeira, a parte financeira te gerencia. Se tenho dinheiro, pago. Não tenho dinheiro, não pago. Isso não tem como acabar bem. Não tem vida longa.

    Um clube é bem diferente de uma empresa, não?

    Cada vez que eu penso nisso, concluo que é muito igual. Isso é um tabu. Muitas vezes dizem que a pessoa que fala isso não conhece futebol. Pelo que eu vi, não conheço e não quero conhecer. Você vai comprar um jogador. Isso é uma transação comercial. A mesma transação que qualquer empresa faz todos os dias. Muda a grandeza de valor. Você paga comissão? A empresa paga. Mas se eu quero comprar uma coisa por dez e alguém vende por dez, eu não pago comissão para ninguém. Se eu tenho algo para vender por dez e aparece um maluco com uma oferta de 20, eu pago comissão. Existe um "approach" comercial que não é claro no futebol. Se eu vou renovar com um jogador que já é meu por que vou pagar comissão? Isso não tem sentido!

    *Suas propostas não são parecidas de seus rivais na oposição?"

    Papel aceita tudo. Se você perguntar a todas as chapas o que tem de ser feito, todo mundo sabe: alongar a dívida, colocar processo de governança, reformar a Vila... Todo mundo sabe disso há 10 ou 15 anos. O problema é como e quem vai fazer. O Santos precisa de credibilidade e competência.

    Você já tem uma equipe montada na cabeça?

    Tenho um escopo. Não dá para ganhar e depois pensar "e agora? O que faço?". Tenho um plano para os 100 primeiros dias. Mas tem muita coisa que você precisa começar a fazer antes, estruturar em vários setores. Todo mundo que entra no Santos diz que o começo é muito difícil e não tem dinheiro para nada. A gente não quer cometer esse erro. Outra coisa que nos preocupa é envolver a cidade de Santos no Santos. O Museu Pelé fica do outro lado da cidade. Isso não tem o menor sentido. O Santos é distante do porto! Como pode isso? Com as empresas que estão lá, com o volume de dinheiro que movimenta... Tem de se aproximar.

    Não é culpa do pensamento de que o "Santos é de Santos"?

    É normal a cidade ter orgulho do Santos estar ali e se achar dona dele. Quem começou a colocar esse tipo de coisa foi o lado político.

    Já tem algo montado também para o futebol?

    Também. Em janeiro começa a Libertadores. Você é obrigado a ter isso planejado antes de sentar na cadeira. Não só no futebol. Na área financeira e de gestão tem de ter as pessoas certas já trabalhando.

    A oposição está dividida em três chapas. Isso não ajuda o Modesto Roma Júnior?

    Com certeza. Quem é Modesto, vota no Modesto. Quem não vota no Modesto tem três chapas para escolher. Facilita para a situação, mas faz parte do processo democrático.

    Isso faz com que uma candidatura como a sua tenha de agregar muito mais gente do que teria normalmente?

    Sem dúvida. Seria uma pena se as oposições que são contrárias ao modelo de gestão atual proporcionassem a reeleição do Modesto por causa dessa divisão.

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