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    Medalhista da Rio-2016 diz que 'beijos apaixonados' foram motivo de doping

    REBECCA R. RUIZ
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    26/01/2018 12h42

    Adrian Dennis - 20.ago.2016/AFP
    Gil Roberts comemora a conquista da medalha de ouro no revezamento 4 x 400 m na Rio-2016
    Gil Roberts comemora a conquista da medalha de ouro no revezamento 4 x 400 m na Rio-2016

    A moral dessa história é que é perfeitamente aceitável trocar beijos apaixonados com o seu ou sua namorada, mesmo que a pessoa esteja com sinusite.

    Vamos primeiro conhecer os personagens: Gil Roberts é um velocista de Oklahoma que está na elite do atletismo mundial, tendo conquistado uma medalha de ouro com a equipe americana de revezamento na Olimpíada de 2016, no Rio. E a namorada dele, Alex Salazar, estava doente, no segundo trimestre do ano passado.

    Ao ser apanhado num exame antidoping, Roberts montou uma das defesas mais originais na história do doping nos esportes. Disse que havia dado um beijo apaixonado em Salazar e que com isso o remédio que ela estava usando contra uma sinusite entrou em seu organismo.

    Na quinta-feira (25), um tribunal de recursos acatou a tese do beijo apaixonado e Roberts foi inocentado.

    "Pode ser que tenha havido um beijo de língua, mas a questão principal é que ela me beijou logo depois de tomar o remédio", disse Roberts na quinta-feira, expressando alívio por ter evitado uma suspensão de até quatro anos por conta da presença em seu organismo de probenecid, substância proibida pelas autoridades esportivas porque mascara a presença de outras drogas no organismo do atleta.

    Três integrantes de um painel de arbitragem concluíram que parecia provável "que a presença de probenecid no sistema do atleta tenha resultado de um beijo em sua namorada". Decisão diferente teria ameaçado o contrato de patrocínio entre Roberts e a Nike e sua possível participação na Olimpíada de 2020.

    Atletas profissionais já haviam atribuído a presença de substâncias proibidas em seus organismos a carne bovina contaminada, bebidas energéticas dopadas à sua revelia, e a sósias que tentaram prejudicá-los submetendo amostras contaminadas, e depois desapareceram. Essas defesas raramente se provaram persuasivas. Mas Roberts, com ajuda do depoimento da namorada, desferiu um golpe contra as autoridades antidoping, que haviam apelado da decisão que o inocentou, na metade do ano passado,

    As autoridades regulatórias afirmavam que, ainda que contaminação cruzada desse tipo seja possível, o relato do atleta era implausível –já que incluía um tratamento por antibióticos que a namorada dele não concluiu, o que deixou uma cápsula de remédio como prova. Os dirigentes consideraram que ele foi irresponsável e devia ser punido mesmo que a violação fosse involuntária.

    "Eu fiquei me perguntando como eu poderia ser negligente por beijar minha garota", disse Roberts, apontando que ela não havia contado a ele que estava doente, naquele momento, por medo de que isso o desestimulasse a ficar com ela.

    Em audiência na semana passada, em Nova York, Salazar ajudou a montar a defesa que saiu vencedora. Ela testemunhou sobre a infecção nos seios faciais contraída durante uma viagem de sua família à Índia, e sobre o "químico" primitivo que ela consultou lá, e lhe prescreveu um tratamento de 14 dias com um antibiótico que já deixou de ser fabricado.

    Ela depôs sobre sua aversão a usar pílulas, o que a levava a despejar em sua língua o conteúdo de cada cápsula. E disse que ela e o namorado se beijavam frequente e apaixonadamente. Roberts apresentou sua amostra de urina para exame cerca de três horas depois de um desses beijos, declarou Salazar.

    Kai Pfaffenbach - 20.ago.2016/Reuters
    Gil Roberts passa bastão para LaShawn Merritt no revezamento 4 x 400 m, no Engenhão
    Gil Roberts passa bastão para LaShawn Merritt no revezamento 4 x 400 m, no Engenhão

    O padrasto de Salazar, que a acompanhou quando ela foi comprar o remédio, em uma região indiana descrita como "semirrural", também depôs, afirmando que havia intermediado em híndi a compra de Moxylong, um remédio que contém o antibiótico amoxicilina e traços de probenecid, a substância proibida.

    "Não nos sentimos embaraçados no tribunal", disse Salazar, 24. "Foi tudo muito técnico",

    "Tínhamos passaportes com vistos, recibos e todas as datas perfeitamente registradas", ela disse, se referindo à cronologia de suas férias, doença e retorno para casa, em Los Angeles, no ano passado.

    O Dr. Pascal Kintz, professor da Universidade de Estrasburgo, na França e maior especialista científico no assunto, viajou para participar da audiência de arbitragem de Roberts. Kintz também depôs em um caso que estabeleceu precedente para a defesa do beijo, em 2009.

    Naquele caso, o tenista francês Richard Gasquet conseguiu provar que os traços de cocaína em seu organismo provinham de uma mulher chamada Pamela com a qual ele havia trocado diversos beijos em uma casa noturna de Miami, na noite anterior a uma partida.

    Uma comissão antidoping do tênis o considerou culpado –decidindo que ele havia agido irresponsavelmente ao interagir com uma desconhecida–, mas o Tribunal Arbitral do Esporte –a mais alta instância da Justiça desportiva internacional, que também julgou o caso de Roberts na quinta-feira– reverteu a decisão da instância inferior e cancelou a punição do tenista.

    "Mesmo que exercesse a maior cautela, o atleta não poderia estar ciente das consequências que beijar Pamela teria para ele", escreveram os membros da comissão arbitral em sua decisão sobre Gasquet, que processou a mulher que havia beijado para obter uma amostra de cabelo que demonstrasse que ela era usuária regular de cocaína. (O exame de um fio de cabelo do tenista comprovou que ele não era usuário regular da droga.)

    Outro atleta, o premiado canadense Shawn Barber, do salto com vara, evitou uma suspensão longa em 2016 atribuindo a presença de resíduos modestos de cocaína em seu organismo a um encontro íntimo com uma mulher que ele conheceu por intermédio do site Craigslist na noite anterior a uma prova seletiva olímpica.

    Jonathan Taylor, proeminente advogado esportivo internacional que representou a Federação Internacional de Tênis em seu recurso contra Gasquet, disse que os atletas eram diretamente responsáveis por quaisquer substâncias encontradas em seu sistema, mesmo que ingerida de maneira completamente involuntária.

    "Eles só evitarão suspensão em casos muito excepcionais, nos quais sejam capazes de demonstrar que tomaram todas as precauções razoáveis", disse Taylor, acrescentando que quanto mais distante o atleta estivesse de seus períodos de treino e competição, e quanto mais pessoal a atmosfera, menores seriam as precauções necessárias.

    Ainda assim, para impedir que defesas semelhantes se tornem comuns, disse ele, o mais alto tribunal esportivo certamente requereria fortes provas objetivas e científicas para validar futuros relatos de contaminação por beijo.

    Salazar disse que, desde o segundo trimestre do ano passado, o caso de seu namorado a tornou mais cautelosa. "Agora penso duas vezes até para tomar DayQuil" [um remédio contra resfriados, que não requer receita], ela disse, "Qualquer coisa que eu tome agora, penso duas vezes antes de chegar perto dele".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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