• Folhinha

    Monday, 06-May-2024 10:52:30 -03

    Nos 50 anos de carreira, Toquinho fala sobre infância e brincadeiras de rua

    MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
    DA PUBLIFOLHA

    15/11/2014 00h01

    "Numa folha qualquer, eu desenho um sol amarelo". Assim começa a canção "Aquarela" (1983), em que o personagem colore o mundo que imagina, cria guarda-chuvas e castelos. A letra completa a cena: "Pinto um barco a vela branco, navegando".

    A música (leia letra ) é uma das mais conhecidas de Toquinho, 68, um dos principais músicos e compositores do país, que completa 50 anos de carreira em 2014.

    "A letra desperta a criança dentro de nós", conta.

    Conhecido por parcerias com grandes nomes da música brasileira, como Vinicius de Moraes (1913-1980) e Chico Buarque, Toquinho tem uma reconhecida produção de músicas para crianças.

    Na casa do artista, ele recebeu a "Folhinha" para um bate-papo.

    *

    Folhinha - Como foi sua infância?
    Toquinho - Vivi no Bom Retiro, em São Paulo. Minha rua não era asfaltada. Eu jogava bola na rua, bolinha de gude, andava de bicicleta na rua, rodava pião, soltava pipa.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Discos de Toquinho para crianças

    Sua mãe trabalhava?
    Minha mãe era uma exímia costureira e dona de casa.

    Seu site relata que sua mãe não queria que você tirasse notas altas na escola.
    Minha mãe pedia para eu tocar violão. Eu era um aluno exemplar, muito competitivo e quando chegava a época das provas, ficava nervoso, passava mal, vomitava. Aí minha mãe falou: "Se você tirar alguma nota dez, vai de castigo, deixe o estudo um pouco de lado"

    Era nerd?
    Nerdíssimo. O violão tirou minha preocupação com a escola.

    Qual era a profissão de seu pai, Antonio Pecci?
    Meu pai sempre fez tudo, era empreendedor. Quando nasci, era alfaiate. Depois ele comprou uma indústria, do meu avô, e fazia máquinas de costura. Teve uma frotinha de táxis e fez até prédio de apartamentos.

    Como decidiu trabalhar com música?
    Tive apoio da minha família. Meu pai e minha mãe me incentivaram sempre nessa profissão, ainda vista como marginal, que é a de artista.

    Quando começou a tocar pra valer?
    Aos 12 anos, por aí. Estudei muito violão. Gravei meu primeiro disco aos 18 anos, estava de smoking na capa, muito bonitinho.

    Foi criança-prodígio? Drummond fez o primeiro livro com 28 anos, "Alguma Poesia" (1930).
    Eu era quase adulto, estudava muito violão. Você tem de estudar bastante a técnica do instrumento, a parte teórica.

    Quais cantores escutou na infância?
    Luiz Gonzaga, Ray Conniff, Ray Antony, Vicente Celestino. Meu pai era muito musical. Nos domingos, no almoço, punha esses artistas e aqueles italianos Beniamino Gigli, Gino Becchi. A gente ficava comendo macarrão e ouvindo. Cresci com essas canções, essa foi minha formação, bem brasileira. Ouvia também Neil Sedaca, Paul Anka, dos The Platters, Elvis Presley, hits da época quando eu tinha 7 ou 8 anos de idade. Aí, quando eu tinha uns 12/13 anos, começou a bossa nova, João Gilberto apareceu.

    Como é ter músicas para adultos e crianças?
    Eu não pensava em fazer música infantil. Mas o Vinicius de Moares me introduziu nisso. Ele era mais criança do que eu e me mostrou "A Arca de Noé" [1970], um livrinho de poemas infantis dele. Comecei a musicá-los e saiu o disco "Arca de Noé". Depois teve o "Arca de Noé 2". Os dois têm canções que crianças estão estudando até hoje, como "O Pato" e "A Casa".

    Clara Nunes também gravou para a "Arca".
    Sim. Trabalhei com a Clara Nunes e Vinicius por dois anos. Fizemos um show importante, "Poeta, Moça e Violão" [1973]. De certa forma, ela foi lançada praticamente pela gente. No Rio conheci grandes figuras, Baden Powell, Oscar Castro Neves (1940-2013), Roberto Menescal. Eu tinha entre 17 e 18 anos, era muito jovem. Fui com Chico Buarque para lá e nós começamos carreira juntos. Éramos o pessoal emergente de São Paulo.

    Você tocou com Jorge Ben Jor.
    Fui parceiro dele, o primeiro sucesso da minha vida foi com Jorge Ben Jor, "Que Maravilha" [1969]. Depois fizemos mais três canções. Minha primeira gravação cantando foi com Jorge.

    Por que tantas parcerias com outros artistas?
    Eu era um compositor, não era tanto um letrista, era mais músico, por isso é mais fácil fazer parcerias. Comecei tocando violão como instrumentista, por isso meu leque de parcerias é maior do que o de um compositor que só faz suas canções, como é o caso do Chico Buarque, do Caetano Veloso, do próprio Gilberto Gil. Na Itália há uma expressão, "cantiautore", que define o autor que canta as próprias canções, em português não há uma palavra assim.

    Fale de sua geração.
    Sou da geração pós-bossa nova, que eram Caetano, Gil, Chico, eu, a Bethânia, a Gal Costa, todo esse pessoal que faz música até hoje com mais de 60 anos. Começamos as carreiras juntos, e veio essa enxurrada, essa geração forte que é a última geração mesmo que fez Música Popular Brasileira.

    Todos fãs João Gilberto. Em seu site você afirma que João Gilberto tem uma batida inovadora.
    Todo mundo toca violão por causa de João Gilberto, por causa dessa onda da bossa nova. O João Gilberto é o cara mais importante da música brasileira, ele a transformou.

    Quais são seus músicos preferidos?
    Oh meu Deus, você jura que tenho de responder? Gosto muito de Stevie Wonder e Paul McCartney, eles fazem temas e músicas que você canta e se recorda depois, têm uma melodia bonita. Caymmi, Ary Barroso e Tom Jobim tem isso. São grandes composições que marcam, você assobia as canções deles, entendeu? Não gosto de canções que são bonitas, mas que depois você não canta, não assobia, não se lembra delas.

    Quais são as músicas suas de que mais gosta?
    "Aquarela" é um sucesso que não dá para explicar. Ela me deu muitas alegrias. As crianças amam, é especial. Mas tenho mais de 50 canções infantis.

    Quais são as músicas suas de que seus filhos mais gostam?
    Pedro gosta de ''Regra Três'', que tocou muito. A ''Canção pra Jade'' não é muito conhecida, mas é a canção que eu mais gosto. Tive a coragem de dar conselhos a ela. Tem versos em que falo para minha filha que viva cada instante e proteja da razão os sentimentos.

    Qual o seu filme predileto?
    Gosto de coisa antiga. Gosto da atmosfera de "Casa Blanca", de "Cidadão Kane", gosto de filme cult, gosto de muita coisa nova que aparece, mas prefiro essa coisa retrô no cinema.

    Qual seu espetáculo preferido?
    Todas as coisas do Juca de Oliveira eu tenho visto, sou amigo dele, gosto das peças que ficaram muito tempo em cartaz, com a Bibi Ferreira. Marília Pêra é uma atriz que, quando faz alguma coisa, vou ver, porque ela me arrasta, Fernanda Montenegro me arrasta também. O Paulo Autran foi meu amigo, quando ele fazia qualquer coisa eu ia ver, vou ver meus amigos no teatro.

    O que dizer às crianças?
    Que busquem fazer o que mais gostem na vida. Acho que as crianças têm de ter liberdade, não a liberdade solta e inconsequente, mas que façam seus próprios caminhos.

    O que acha de o planeta estar com gente demais (sete bilhões) e da destruição dos biomas?
    Sou a favor de todo tipo de preservação, mas o planeta já se transformou. Não somos donos de nada, o Universo é imenso e tem as regras dele. Quantas espécies sumiram deste planeta? Foi o próprio planeta que fez isso, são as leis da natureza, muito mais fortes que o ser humano.

    Fale da globalização, do mundo hoje.
    A globalização é inevitável, o ser humano não é igual, nunca vai ser. A democracia tem várias falhas, o ser humano tem falhas e é um bicho complicadíssimo. Lembro minha infância, parecia que o mundo era imenso, e hoje a criança vê tudo na internet. O mundo ficou pequenininho, Nova York é aqui, Moscou é aqui, Roma é aqui, está todo mundo aqui.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024