• Folhinha

    Tuesday, 07-May-2024 05:25:53 -03

    Fernando Meirelles e Tas dizem como criaram 'pai' do 'Castelo Rá-Tim-Bum'

    RAFAEL GÓMEZ
    DE SÃO PAULO

    28/02/2015 00h01

    Neste ano, o clássico programa "Rá-Tim-Bum" completa 25 anos de sua estreia. Foram 190 programas gravados em um período de um ano e se tornou o precursor de outros programas do gênero, como o "Castelo Rá-Tim-Bum" e a "Ilha Rá-Tim-Bum".

    O cineasta Fernando Meirelles e o ator e apresentador Marcelo Tas, em entrevista por e-mail, falaram com a "Folhinha" sobre a aventura que foi fazer o "Rá-Tim-Bum" no final dos anos 1980.

    Confira a entrevista abaixo.

    Folha - O "Rá-Tim-Bum" está fazendo 25 anos e continua no ar. O programa não fica velho?

    Fernando Meirelles - Tecnicamente está gagá. A qualidade da TV melhorou muito nestes anos, mas o conteúdo acho que não. Criança até cinco anos, a faixa para qual o programa foi criado, ainda mantém a mesma agenda de 25 anos atrás: direita e esquerda, azul e vermelho, 1, 2, 3, 4... Só quando crescem começam a pensar em bobagens mais complicadas que mudam a cada ano.

    Marcelo Tas - Velho é algo que não é capaz de se renovar e acaba perdendo a graça com a passagem do tempo. O "Rá-Tim-Bum" não fica velho porque é clássico. Clássico é uma palavra que quer dizer o primeiro da classe, no sentido de ser uma coisa que não existia antes. O "Rá-Tim-Bum" foi feito com o coração, sem copiar nada que tenha vindo antes. Acredito que é por isso que não envelhece com o tempo.

    Como surgiu a ideia do programa? Quais foram as inspirações? Vocês tinham dinheiro para fazer ou foi tudo "na raça"?

    Fernando Meirelles - A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) encomendou para a TV Cultura um programa que pudesse funcionar como uma pré-escola para crianças que não tinham o luxo de frequentar uma. Claro que também funciona para crianças que vão à pré-escola, pois o conteúdo é divertido para a idade. Com a encomenda na mão e mais um currículo de conteúdos para cada dia, me convidaram para inventar o programa. Fiz isso em parceria com o Flávio de Souza, dramaturgo que escrevia alguns programas para a Cultura.

    Marcelo Tas - A TV Cultura teve a ousadia de nos convidar, um bando de moleques de vinte e poucos anos liderados pelo Fernando Meirelles, para criar o projeto do zero. Os recursos vieram do sistema Sesi-Senai-Fiesp. Não era um super orçamento, mas o dinheiro foi utilizado com pontaria, planejamento e muito jogo de cintura. A inspiração para o Professor Tibúrcio foi o curso sobre o comediante Buster Keaton que eu havia feito um ano ano antes, na escola de cinema da NYU, a New York University. Percebi isso muito tempo depois. Foi uma grande influência. O jeito das coisas surgirem na tela e até o detalhe óbvio de que, como Keaton, Tibúrcio era em branco e preto.

    Como eram os processos de criação e produção do "Rá-Tim-Bum" numa época sem computador, celular, internet e Google?

    Fernando Meirelles - Inacreditável pensar que conseguíamos nos organizar sem computadores. Havia diariamente duas ou três equipes gravando, muitos quadros sendo montados ao mesmo tempo e uma pilha de roteiros chegando toda semana, mas a equipe estava entusiasmada, então dava certo. Trabalhei como maluco por um ano, quando me convidaram para fazer o próximo projeto, que veio a ser o "Castelo Rá-Tim-Bum", comecei o processo, mas convidei o Cao Hamburguer para entrar no meu lugar e dei no pé. Não ia aguentar mais uma vez este negócio de ficar sem finais de semana e sem ver muito os filhos.

    Marcelo Tas - Lembro que no canto da sala de produção havia um computador, daqueles bem toscos. Nele, a gente brincava de misturar a ordem dos quadros para deixar o roteiro de cada programa sempre com uma cara de surpresa. Pode reparar, ao contrário da maioria dos programas de TV, o "Rá-Tim-Bum" não tem um apresentador principal. Como a internet, o programa não era linear. A sequência dos quadros iam se abrindo na tela da TV da mesma forma que hoje a gente navega na rede. Agora... não tenho ideia de como conseguíamos sobreviver naquela época sem Google e celular :)

    O "Rá-Tim-Bum" marcou a geração dos anos 1990. Hoje você acha que é possível enxergar "filhos" do programa no ar na TV?

    Fernando Meirelles - Ando muito desatualizado com programação infantil, pois os filhos já cresceram e o neto ainda está com 1 ano, mas acho que o excelente "Que Monstro Te Mordeu", da própria Cultura, está dentro de uma tradição de bons programas infantis da qual o "Rá-Tim-Bum" fez parte.

    Marcelo Tas - O "Rá-Tim-Bum" nasceu num momento que os programas infantis estavam muito parecidos, quase todos imitavam a Xuxa. Entendemos que era uma oportunidade de renovar a faixa infantil na TV brasileira. E não deu outra. Depois, surgiram alguns "filhos" do "Rá-Tim-Bum" criados por pessoas da equipe original do programa. Estou falando de "X-Tudo", "Mundo da Lua", "Cocoricó", além do "Castelo" e da "Ilha Rá-Tim-Bum", é claro.

    Por que um projeto de tanto sucesso de crítica e público não continua até hoje?

    Fernando Meirelles - Boa pergunta. Como o programa era composto de quadros isolados, seria fácil ir renovando ele com o passar do tempo. Mas a encomenda da Fiesp era para uma série com 190 programas e foi isso que entregamos. A série seguinte, o "Castelo", também bancada pela Fiesp, era um programa para crianças até 10 anos, nunca se retomou a ideia de programas para crianças menores. Pena.

    Marcelo Tas - Esta é uma excelente pergunta. A TV brasileira precisa aprender a se renovar, inclusive mantendo no ar o que funciona bem. Temos essa dificuldade no Brasil: lidar com o sucesso e mantê-lo. Temos muito o que aprender, por exemplo, com "Vila Sésamo", série norte-americana que está há mais de quarenta anos no ar e sempre se renovando!

    Como você se sente em saber que até o final dos seus dias –e depois deles também– será reconhecido como o professor Tibúrcio? Como um personagem fica tão marcante?

    Marcelo Tas - Me sinto meio Batman, Superman, Homem-Aranha...rs. Para um personagem ser autêntico, ele precisa ser encontrado dentro da gente. O Professor Tibúrcio é um ser que já existia dentro de mim. Me sinto feliz e grato a papai do céu por ter me dado a chance de parir essa criatura.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024