Ao som do tambor e do pandeiro, Joana Mocarzel dança no próprio ritmo, sacudindo os quadris, agitando seu chocalho e jogando os cabelos para frente e para trás.

Aos 16 anos, a atriz com síndrome de Down ensaia para estrear, neste sábado (19), em São Paulo, como uma das protagonistas da peça "O Reizinho Mandão", baseada no livro infantil de mesmo nome da escritora Ruth Rocha.

Joana ficou famosa ao interpretar Clarinha, a filha da personagem de Regina Duarte na novela "Páginas da Vida", em 2006.

"Estou muito emocionada de participar", diz a menina. "É um jeito de mostrar para as crianças que nós somos diferentes mesmo, como elas podem ver, e que temos que ser tratados com respeito."

A atriz subirá no palco ao lado de Ariel Goldemberg e Rita Pokk, 35, também com Down. Casados há quase 12 anos, os dois farão outros personagens importantes do espetáculo: o reizinho e seu papagaio. "Vi vídeos e pesquisei bastante na internet para entender como os papagaios andam, falam e voam", conta Rita.

Joana é a menina que pede para que a narradora conte a história. Na peça, o filho de um rei sábio e justo assume o trono quando seu pai morre. Mimado e mandão, o novo monarca cria leis absurdas e autoritárias e faz o povo literalmente perder a voz.

Os ensaios foram acompanhados por uma psicoterapeuta (veja vídeo abaixo), que orientou tanto os três atores, que nunca trabalharam com teatro, como o resto da equipe. "A primeira coisa que ela nos falou foi: 'A Joana é uma adolescente e o Ariel e a Rita são adultos, vocês têm que tratar eles como tais', porque a tendência muitas vezes é tratá-los como crianças", diz o dramaturgo Ricardo Gamba, que adaptou o livro para o teatro.

Para o idealizador da peça, Jô Santana, a participação dos atores com síndrome de Down acrescenta: "Para eles é tudo muito verdadeiro, é ali naquela hora, naquele momento."

O produtor é amigo do cineasta e jornalista Evaldo Mocarzel, pai de Joana, e resolveu chamar Ariel e Rita quando viu os dois atuarem no documentário "Do Luto à Luta" (2005), dirigido pelo colega.

Veja cenas do ensaio

DO PAPEL AO PALCO

Um dos clássicos da autora Ruth Rocha, 84, "O Reizinho Mandão" trata de temas como a liberdade e o autoritarismo. Não é à toa que o livro foi lançado em 1978, pouco antes da extinção do Ato Institucional nº5 (AI-5), que deu força à censura e a perseguições políticas na época da ditadura militar (1964-85).

A nova adaptação da obra para os palcos faz parte da comemoração de 50 anos de carreira da escritora, que vai durar três anos e incluir mais duas peças de teatro, um documentário e uma exposição.

"O Reizinho Mandão" é primeiro espetáculo do projeto e retrata a obra original quase na íntegra, mas mistura a história a músicas e figurinos regionais.

Na montagem, Ricardo Gamba diz que não foi preciso encurtar ou adaptar falas para os atores principais. "Acho fácil de decorar, treino na frente do espelho ou me gravo falando", explica o ator Ariel Goldemberg.

Joana, que sabe as falas de todos os personagens, encerra a peça com um confiante "Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu!"

Colaborou JÚLIA BARBON

PARA CONFERIR

Peça "O Reizinho Mandão"
ONDE Teatro Augusta - r. Augusta, 943, Cerqueira César
QUANDO de 19 de setembro a 22 de novembro, sáb. e dom., às 16h
QUANTO R$ 40 e R$ 20 (meia entrada)