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    'Poemas' reúne versos e escritos do italiano Pasolini, intelectual e cineasta

    MARIO BRESIGHELLO
    DE SÃO PAULO

    31/10/2015 02h00

    Precursor. Polemista. Profeta. Profano. Poeta. Os PPP que abreviam o nome de Pier Paolo Pasolini sugerem as múltiplas facetas em que seu talento se desdobrou. Sua face mais conhecida no Brasil ainda é a de cineasta. Da vasta obra poética e crítica dessa estrela de primeira grandeza da cultura italiana do século 20, a poesia estava restrita aos que a leram no original. Com "Poemas", deixa de ser inédita.

    Divulgação
    O escritor e diretor Pasolini no set de filmagem
    O escritor e diretor Pier Paolo Pasolini no set de filmagem

    Trata-se de uma antologia de poemas e ensaios selecionados em conjunto pelo crítico literário italiano Alfonso Berardinelli e por Maurício Santana Dias, professor de literatura italiana da USP e tradutor dos textos, em edição bilíngue. São excertos de oito livros de poesia publicados pelo autor em vida e ainda ensaios que integraram as coletâneas "Empirismo Herético" (1972) e outros extraídos dos póstumos "Escritos Corsários" e "Cartas Luteranas". A inclusão dos ensaios confirma a coerência da obra, considerada pelos organizadores um "conjunto poético", pois, como afirma Santana Dias, "em certo momento sua poesia não se distinguia mais da prosa".

    A questão "poética" assume diversos significados ao longo da carreira de Pasolini. O principal, contudo, é sua força transformadora. Para alguns, isso se deve ao sucesso do primeiro livro de poesias de Pasolini, escritas em dialeto friuliano, que lhe abrira portas e mudara a vida. A partir de então, e até sua morte, toda a criação para Pasolini seria "poesia".

    A obra começou em 1942, quando publicou às próprias custas, por uma pequena editora de Bolonha, poemas no dialeto falado pela mãe. Neles, exprime um mundo lírico, quase fantástico e autobiográfico. É nele que já se vislumbra o conceito de "origem". Em resumo, trata-se de buscar uma nova língua para a poesia, daí a escolha do dialeto, uma língua "virgem" sem qualquer tradição literária, de usar planos frontais inspirados na pintura medieval, que remetiam ao modo de apresentação predominante no primeiro cinema, de obter cores artesanalmente para a pintura e até mesmo tentar criar novas notas para a música.

    Reprodução
    Poemas, por Pier Paolo Pasolini
    Poemas, por Pier Paolo Pasolini

    A Segunda Guerra Mundial obriga-o a se alistar, mas se refugia na cidade natal da mãe e lá empreende uma intensa atividade política que ecoará nos versos fúnebres e tortuosos de "O Rouxinol da Igreja Católica", presente nesta antologia.

    Três anos depois, muda-se para Roma, onde vive até a morte. A década de 1950 será seu período mais produtivo do ponto de vista artístico. Escreve poesias premiadas, romances e descobre o cinema. A capital o fascina, assim como a vitalidade do subproletariado da cidade.

    Ele começa a usar a linguagem, as gírias e o dialeto locais para escrever os romances "Ragazzi di Vita" (Meninos de Vida), de 1955, e "Una Vita Violentata" (Uma Vida Violenta), de 1959. A originalidade estilística das obras o leva ao centro do mundo intelectual, mas o tema de ambos, cujos protagonistas são adolescentes que passam o tempo organizando pequenos delitos, acaba lhe valendo processos.

    É quando começa a se configurar, para o bem e para o mal, junto à opinião pública, seu papel de "provocador". É dessa época o poema "As Cinzas de Gramsci", também presente no presente volume, que o qualificou como "comunista herético" ao explorar a dialética entre razão revolucionaria e paixão.

    Nos anos 1960, estreia no cinema e "diretor" passaria a ser sua ocupação principal. A escolha da linguagem cinematográfica reverbera em sua atividade literária fazendo-o abandonar a métrica e se lançar em experimentações, como fica claro em "Poesia em Forma de Rosa", de 1964. O processo culmina numa poesia que parece querer se devorar devido às lacunas que exibe, como acontece em "Transumanar e Organizar" (1970).

    Da metade dos anos 1960 em diante, intensificou-se a atividade como ensaísta e polemista. Depois da publicação de "Empirismo Herético", em 1972, Pasolini começa a escrever para revistas semanais e, pouco depois, para o jornal "Corriere della Sera", os artigos reunidos em "Escritos Corsários" e "Cartas Luteranas". Nessa passagem da literatura para a crítica da sociedade, sua fama se multiplicou. Assim como aumentou sua capacidade de se colocar como voz destoante, anticonformista.

    Sua morte trágica aos 53 anos de idade, em circunstâncias que permanecem obscuras, "ampliou seu sucesso e sua influência, fazendo dele um mito", afirma o professor Berardinelli em texto do volume. Dentre as enérgicas reações a seu violento fim, a do critico de arte italiano Federico Zeri foi uma das que melhor captou o significado: "A morte de Pasolini é bem parecida com a de Caravaggio, pois ambas parecem ter sido criadas, roteirizadas, dirigidas e interpretadas por eles mesmos".

    POEMAS
    Autor: Pier Paolo Pasolini
    Organização: Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias
    Tradução: Maurício Santana Dias
    Editora: Cosac Naify
    Quanto: R$ 59,90 (320 págs.)
    Avaliação: ótimo

    Edição impressa

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