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    Contra o fascismo, livro de Marcia Tiburi prioriza diálogo com o inimigo

    DE SÃO PAULO

    28/11/2015 02h00

    COMO CONVERSAR COM UM FASCISTA

    Feito o arqueiro zen da célebre anedota oriental, Marcia Tiburi tornou-se arco, flecha e alvo, e acertou na mosca, com essa coletânea de ensaios antifascistas. Merece aplauso sua decisão de abandonar o jargão acadêmico, sempre elíptico e autorreferente, em favor de uma argumentação clara e incisiva.

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    Os ensaios —a maioria publicada na revista "Cult"— agora reunidos encadeiam-se de modo orgânico, em linha reta. Porém, difícil é resistir à tentação de uma leitura salteada, porque certos títulos logo agarram a atenção: "Distorcer É Poder", "Linchamento: Cumplicidade e Assassinato", "A Lógica do Estupro", "O Aborto e a Bondade das Pessoas de Bem", "A Arte de Escrever para Idiotas", "Falação Mecânica"

    Na guerra contra o fascismo, o que a autora prioriza é o diálogo com o inimigo: "o diálogo é uma prática de não violência, a violência surge quando o diálogo não entra em cena". Tornou-se urgente a interlocução, principalmente com os analfabetos políticos, fantoches cegos do pensamento reacionário. (NELSON DE OLIVEIRA)

    AUTOR: Marcia Tiburi
    EDITORA: Record
    QUANTO: R$ 42 (196 págs.) e R$ 26,99 (e-book)
    AVALIAÇÃO: muito bom

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    A PRIMEIRA AULA

    O subtítulo "Trânsitos da Literatura Brasileira no Estrangeiro", desta instigante coletânea de depoimentos e/ou reflexões livres de professores que ensinam literatura brasileira fora do país, indica, mas não esgota, o interesse que pode gerar. O caráter aberto e irrepetível das experiências relatadas aponta para a relação entre a literatura e, como diz Blanchot, "o silêncio que lhe é próprio".

    O belo texto do organizador Pedro Meira Monteiro valoriza o vazio que sente quando, numa "primeira" (segunda, terceira etc.) aula, "o corpo é chamado a dizer coisas afinal indizíveis". Trata-se da produtiva abertura para o gratuito, para a complexidade que advém do esvaziamento crítico de fórmulas prontas.

    Ensaiar a convivência com o estranhamento e as descobertas que nas diversas situações "estrangeiras" cercam nossas ideias de "literatura" ou de "literatura brasileira" pode repotencializar esse estudo, em tempos de generalizada "cursinhização" do ensino ou "internetização" do conhecimento. (ROBERTO ALVES)

    AUTORES: vários
    ORGANIZAÇÃO: Pedro Meira Monteiro
    EDITORA: Itaú Cultural/Hedra
    QUANTO: R$ 30 (251 págs.)
    AVALIAÇÃO: ótimo

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    COM O CÉREBRO NA MÃO

    Este pequeno grande livro de Teixeira Coelho é um contradiscurso, na contramão do imaginário narcisista e hedonista imposto pelo presente. A ironia do título e do subtítulo ("No Século que Gosta de Si Mesmo") nos arrasta para o espectáculo público que, por exemplo, oferece o smartphone, com sua delegação do cérebro para o aparelho.

    Essa não é a única diacronia aqui emblematizada (objetos versus sujeitos). Também tempo e experiência, cultura e entretenimento pedem novas equações e, sobretudo, valores: "o reforço da dimensão cultural da vida humana é indispensável" se queremos sair de certo buraco negro ontológico marcado pelo excesso e pela falta de tudo, outro paradoxo contemporâneo.

    Nesse novo ecossistema cultural, com a tecnociência aplicada revestida de poder teleológico, parece que humanidade e felicidade são cada vez mais dissociáveis. E, numa época mais à deriva do que parece, o dispositivo reflexivo desse apelo ilustrado (com McLuhan e George Simmel nos bastidores) já é um "turning point". (ADOLFO MONTEJO NAVAS)

    AUTOR: Teixeira Coelho
    EDITORA: Iluminuras
    QUANTO: R$ 28 (80 págs.)
    AVALIAÇÃO: ótimo

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    LIÇÕES DE LITERATURA

    Tem coisas que apenas escritores conseguem dizer sobre o texto literário. É a leitura de um igual, digamos, a que melhor consegue esmiuçar os artifícios de um romance.

    Não porque o escritor seja melhor do que o crítico. Mas ele entende que, na criação literária, nem sempre o que comanda a escrita são as escolas teóricas ou plataformas sociopolíticas.

    Nessa linha, Nabokov dizia que, no romance, "as ideias gerais não têm a menor importância" e que deveríamos dizer "'Para, ladrão!' ao crítico que transforma o símbolo sutil de um artista em alegoria medíocre".

    Nessas sete aulas, compiladas após cursos que o autor deu nos EUA nos anos 1940 e 50 (sobre Jane Austen, Dickens, Flaubert, Stevenson, Proust, Kafka e James Joyce), o escritor mostra de forma brilhante como os "detalhes e as combinações de detalhes" fazem de uma história algo vivo, para além das letras no papel. Um livro essencial para quem estuda, escreve, ou apenas lê literatura. (ROBERTO TADDEI)

    AUTOR: Vladimir Nabokov
    TRADUÇÃO: Jorio Dauster
    EDITORA: Três Estrelas
    QUANTO: R$ 79,90 (464 págs.)
    AVALIAÇÃO: ótimo

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    FORMALISMO & TRADIÇÃO MODERNA

    Conforme avança o belíssimo projeto editorial da É Realizações de relançar José Guilherme Merquior, o leitor tem a oportunidade de matizar uma rotulação ideológica apressada dessa "obra" (para além da soma de seus livros) como a de um mero, por mais que sofisticado, liberal-conservador.

    Um livro como este, de 1974, mostra a densidade da influência, em Merquior, de certo tipo de crítica cultural de esquerda, ao estilo de Adorno e Benjamin. É de lastro frankfurtiano sua crítica ao kitsch (o mau gosto pretensioso e feito para as massas), embora seja discutível se Merquior é justo em incluir nesse conceito condenatório desde "99% da crítica literária dita estruturalista" ao teatro de Ionesco e Arthur Miller.

    O genial ensaísta brasileiro, numa linha que faz lembrar Antonio Candido, pela fina articulação de literatura e sociedade, volta suas baterias também contra a degradação formalista da ideia de "forma", desconectada das tendências e dos conflitos histórico-culturais. (CAIO LIUDVIK)

    AUTOR: José Guilherme Merquior
    EDITORA: É Realizações
    QUANTO: R$ 64,90 (512 págs.)
    AVALIAÇÃO: ótimo

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    TEORIA DO ROMANCE 1:A ESTILÍSTICA

    Com "Teoria do Romance 1: A Estilística", a editora 34 começa a lançar os três volumes da "Teoria do Romance", do ensaísta russo Mikhail Bakhtin.

    A obra havia sido publicada parcialmente em "Questões de Estética e Literatura", em 1975. Em 2012, uma nova edição russa reestabelecia o texto integral, com anotações e comentários. Foi a partir desta edição que o crítico Paulo Bezerra realizou seu meticuloso trabalho de tradução.

    Como lembra o romancista Cristovão Tezza, na orelha do primeiro volume, é nessa obra que se encontram "alguns dos conceitos centrais que fizeram de Bakhtin um dos grandes pensadores da literatura no século 20", como o do "heterodiscurso" (normalmente traduzido como "heteroglossia"), que trata da diversidade do discurso na prosa romanesca.

    A edição brasileira conta ainda com um glossário elaborado pelo tradutor com alguns conceitos-chave da obra de Bakhtin. (HEITOR FERRAZ MELLO)

    AUTOR: Mikhail Bakhtin
    TRADUÇÃO: Paulo Bezerra
    EDITORA: 34
    QUANTO: R$ 46 (256 págs.)
    AVALIAÇÃO: ótimo

    Edição impressa

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