CAÇAMBAS
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A poesia de hoje parece um manual de sobrevivência em tempos de treva: como sobreviver a tantas notícias ruins, a tantas ruínas morais, a tanta estupidez. Diante da experiência descartável da vida no mundo da mercadoria, o poeta parece registrar, com seus poemas, a decomposição dessa matéria e a sua transformação, quem sabe?, pela poesia.
Todo poema acaba se transformando numa espécie de "teoria e prática/ da corda bamba", como escreve Ruy Proença em "Ensino", de seu novo livro. O próprio título da coletânea, "Caçambas", já aponta para esse espaço de carcaças, mas transfiguradas pela poesia, como no belo poema "Acidente", em que um leque mallarmaico é desdobrado em "asas de borboleta/ sem borboleta" e em "um esqueleto/ de vento".
Em seus poemas, a memória pessoal e o registro da vida cotidiana vão se abrindo para esse "baú de ossos", no qual ele busca salvar a nossa humanidade possível num mundo marcado pelo objeto e pela objetividade —ou, como ele escreve no belo poema "Guinchos", "concreto/ trocado em miúdos". (HEITOR FERRAZ MELLO)
AUTOR: Ruy Proença
EDITORA: 34
QUANTO: R$ 32 (152 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo
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DE UM CADERNO CINZENTO
Poucos escritores foram tão "miscelâneos", ricos em registros, nuances e interesses. Daí haver mais ângulos e perspectivas que discurso uniforme neste volume de Paulo Mendes Campos organizado por Elvia Bezerra.
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Sua alma caleidoscópica ("nunca tive centro de gravidade mental ou psíquico") permite vários pontos de vista: das crônicas ou reflexões poéticas passa-se a notas de viagem, fragmentos, poemas em prosa ou pérolas aforísticas: "A preguiça é o contrapeso do arrivismo". Tudo numa escrita com certo "eros" de linguagem não isento de humor até nas transcendências ou gravidades.
O escritor e poeta mineiro vence sem cessar a prova da meia página, aquela pautada pelas dimensões curtas de textos que sabem ser microscópicos e generosos, antirretóricos e cheios de élan vital. No império da prosa vigente como história infindável, essa obra politeísta e fragmentária (com 53 textos inéditos em livro cuja origem foi a imprensa) mantém suas epifanias em alta. (ADOLFO MONTEJO NAVAS)
AUTOR: Paulo Mendes Campos (org. de Elvia Bezerra)
EDITORA: Companhia das Letras
QUANTO: R$ 44,90 (240 págs.) e R$ 30,90 (e-book)
AVALIAÇÃO: ótimo
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POESIA É CRIAÇÃO
Uma valise de provocações, é o que nos oferecem os dois pesquisadores portugueses responsáveis pela organização desta antologia. Provocações de além-mar, usinadas no século passado pela mente e pelas mãos transgressoras de Almada Negreiros.
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Muito diferente do modernismo brasileiro foi o da América hispânica. Muito diferente dos dois foi o português, do qual participaram ativamente Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, o próprio Almada e outras feras radicais.
Dividida em três partes, a antologia traz escritos diversos de momentos distintos: poemas, crônicas, contos, prosas poéticas, manifestos, conferências, memórias e duas peças de teatro. Passionais e explosivos, todos eles.
Almada era um homem-bomba. Se você é poeta, prepare-se para o soco no nariz que é o "Prefácio ao Livro de Qualquer Poeta". O volume traz também uns poucos desenhos desse modernista multimídia, poucos mesmo, e ficamos tentados a escrever aos organizadores pedindo que incluam mais na próxima edição. (NELSON DE OLIVEIRA)
AUTOR: José de Almada Negreiros
ORGANIZAÇÃO: Francisco Cabral Martins e Silvia Laureano Costa
EDITORA: Ateliê
QUANTO: R$ 56 (296 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo