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    Biografia monumental comemora cem anos do nascimento de Frank Sinatra

    OSCAR PILAGALLO
    DE SÃO PAULO

    15/12/2015 18h42

    De arrogante a adorável, de mesquinho a generoso, de deprimido a eufórico, qualquer adjetivo que indique intensidade qualificaria uma faceta de Frank Sinatra (1915-1998), o intérprete que, com carisma e perfeccionismo, não apenas colocou a canção popular americana em seu patamar mais elevado como moldou o gosto e a atitude de uma geração inteira no mundo ocidental, aquela formada nos anos anteriores à explosão do rock.

    A maior proeza da ambiciosa biografia de James Kaplan, confirmada no segundo volume da obra, "Sinatra - O Chefão" (o primeiro volume, "Frank - A Voz", saiu no Brasil em 2013), é captar as contradições do personagem, emprestando humanidade ao mito com um relato apaixonante e equilibrado. "Com Frank Sinatra, o sublime e o ridículo, o refinado e o grosseiro se alternavam com tanta frequência e rapidez que é inútil tentar reconciliá-los", observa o autor.

    O livro começa em 1954, com o grande ponto de inflexão de sua carreira, a conquista do Oscar de melhor ator coadjuvante em "A um Passo da Eternidade". A importância da estatueta foi a reabertura das portas do mercado fonográfico, que se lhe fechavam após o sucesso dos anos 1940 ter ficado para trás.

    Kaplan mostra como Sinatra agarrou a oportunidade, reinventando-se como cantor. Com quase 40 anos, a voz estava madura, o tenor adolescente cedera lugar a um "barítono levemente rouco". Além disso, os arranjos enxutos e elegantes de Nelson Riddle, o novo parceiro, valorizavam seu fraseado único, com emissão e dicção perfeitas, em versões desaceleradas do melhor cancioneiro americano.

    Com tais atributos, Sinatra logo atingiria o auge da fama, tornando-se a face mais identificável de uma cultura de massa que ainda engatinhava. Os olhos azuis devidamente explorados pela indústria do entretenimento faziam as mulheres suspirar, levando os homens a aderir a um novo paradigma de masculinidade.

    As mulheres ocupam um espaço inevitavelmente enorme na biografia. Kaplan detalha os inúmeros casos com atrizes e cantoras famosas, algumas incorporadas a um harém sempre reciclado e às vezes mantido durante seus conturbados casamentos, como com Ava Gardner e Mia Farrow.

    Dominando as ferramentas da ficção, o biógrafo constrói um personagem denso e complexo. As aventuras sexuais, por exemplo, revelam a opção por uma vida de dissipação no hedonismo sem limites, com direito a tudo o que o dinheiro e o charme podem comprar, mas também expressam o desprezo pelos outros e sobretudo por ele próprio, sentimento que o levou, em duas ocasiões, a tentar o suicídio.

    A atração pelo poder fez Sinatra se aproximar da política, argumenta Kaplan. Nos anos 1960, insinuou-se para desfrutar da intimidade da família Kennedy e contribuiu para a campanha presidencial do democrata John Kennedy, cuja milionária festa de posse organizou, convocando seus amigos do showbiz.

    Na década seguinte, depois de afastado da Casa Branca devido às suas notórias relações com conhecidos mafiosos, Sinatra, cortejado pelo presidente Richard Nixon, se bandeou para o lado republicano.

    O biógrafo chancela a história da lealdade que Sinatra, filho de um boxeador siciliano, tinha a integrantes da Máfia -que, em momentos decisivos, alavancaram sua carreira, contratando-o para temporadas em cassinos. Numa passagem, conta sua conexão com um comparsa envolvido em plano da CIA, o serviço de inteligência americano, para assassinar Fidel Castro. Em outra, relata a altercação em público com Mario Puzo, o autor de "O Poderoso Chefão", que tem um personagem claramente inspirado em Sinatra.

    Com mais de mil páginas, a obra se ressente do excesso de gordura na informação, principalmente quando se debruça sobre fofocas e especulações com base em biografias e depoimentos de pessoas com credibilidade questionável, por serem desafetos ou estarem associadas ao jornalismo ligeiro especializado em celebridades.

    Concluída a tempo para o centenário de nascimento de Sinatra, comemorado neste mês, a biografia ganha quando Kaplan se atém à música.

    Ele mostra como Sinatra se esforçou para ser diferente de Bing Crosby, o ídolo de sua juventude, e alinhou-se à tradição do "bel canto" italiano, adaptando-o ao seu estilo, baseado em boa parte no controle da respiração. E conta como, já veterano, depois de se "automedicar" diariamente com Jack Daniel's e de uma vida fumando cigarro sem filtro, fez treinamento vocal com um cantor de ópera "que entendia de como obter efeitos dramáticos de pulmões idosos".

    O Brasil é parte da história de Sinatra. Kaplan cita de passagem o antológico concerto no Maracanã, em 1980, e faz bem ao se concentrar na parceria com Antonio Carlos Jobim, em 1967, um encontro de gênios que fez Sinatra subir às "alturas do Parnaso", uma avaliação sem qualquer exagero, como se pode constatar no Youtube.

    Reprodução

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