• Guia de Livros, Discos e Filmes

    Saturday, 18-May-2024 21:22:59 -03

    Encantamento e memória marcam a poesia reunida de Adélia Prado

    DE SÃO PAULO

    27/02/2016 02h00

    POESIA REUNIDA

    Em crônica publicada no "Jornal do Brasil", de 1975, Drummond se refere a Adélia Prado como uma "grande poeta-mulher à beira da linha". A expressão de estar à margem tinha o duplo sentido de viver próxima à passagem do trem, em Divinópolis, e de se manter fora do circuito literário, ou do mercado propriamente dito.

    Divulgação
    Capa de "Poesia Reunida"
    Capa de "Poesia Reunida"

    Com a reunião de sua obra, e no momento em que a poeta completa 80 anos, outro significado se insinua: o da singularidade de sua poesia na tradição recente, ou pós-modernista, da literatura brasileira. Uma dicção que oscila entre o prosaico e o sagrado, a projeção da dimensão epifânica nos episódios corriqueiros, certa liturgia dos pequenos gestos, interpelação da divindade e seus mistérios em uma perspectiva coloquial.

    Adélia se encanta com o mundano e com a memória, mas parece buscar sempre uma ordem que está além das rotinas, lugares, seres e objetos que nos habitam. Uma busca da transcendência nas miudezas da vida, de uma conexão que se dá para além do que a palavra aprisiona e dramatiza. (REYNALDO DAMAZIO)

    POESIA REUNIDA
    QUANTO: R$ 70 (544 págs.) e R$ 49 (e-book)
    AUTOR: Adélia Prado
    EDITORA: Record

    *

    TREME AINDA

    Divulgação
    Capa de "Treme Ainda"
    Capa de "Treme Ainda"

    Alguém poderia dizer, deste novo livro de Fabio Weintraub, que se trata de um livro desagradável, ou, como diz Manuel de Freitas na orelha, de uma escrita "desconfortável, na sua crueza austera". Desde "Novo Endereço" (2002), o poeta veio aprofundando sua pesquisa sobre a realidade urbana, principalmente aquela marginalizada dentro dos grandes centros, com seus mendigos, drogados, apunhalados por uma sociedade injusta e desigual.

    Em "Treme Ainda", esse universo reaparece, em seus detalhes mais cruéis, vazados por uma linguagem que não transfigura seu objeto, mas frisa a desumanidade que os cerca. Um mundo doente, desamparado, daí as imagens de hospitais, sanatórios e ambulatórios, velhos e estropiados.

    A perversidade dos tempos que correm encontra um palco com vozes variadas, como aquela que diz em "Emergências": "a vítima precisa decidir/ se agoniza ou desencarna/ já na reta de chegada/ no pódio da despedida". Ou ainda o episódio daquele pobre carroceiro caído na avenida, tentando se levantar, "a cabeça no meio-fio/ amparada pelo sapato/ do vigilante que a levanta". (HEITOR FERRAZ MELLO)

    TREME AINDA
    QUANTO: R$ 29 (96 págs.)
    AUTOR: Fabio Weintraub
    EDITORA: 34

    *

    AO ABRIGO

    O grande dilema da palavra poética, hoje, é encarar o abismo entre o mundo e a condição humana, continuar escrevendo poesia nas frestas da linguagem (o que Auschwitz e outros holocaustos mais próximos ainda ensinam). Daí que o livro de Polito (depois de "Terminal", 2006) seja marcante como obra de seu tempo, pois a sua negatividade é parte do canto possível.

    Divulgação
    Capa de "Ao Abrigo"
    Capa de "Ao Abrigo"

    A aflição dessa dicção, de sintaxe entrecortada e imagética suspensa, com 46 poemas de formas diversas, é estabelecer uma linha de horizonte sem o álibi de patrimônio retórico. Só versos desnudos, secos, e imaginário às avessas: "Em cada coisa acorda uma catarse./ Aqui cai um grão da grande muralha."

    Como poesia feita nas margens, isolada de focos e correntes, mas exigente com nossa subjetividade farta e anestesiada, ela se declara enxuta (sem gordura nenhuma, nem narrativa), ultraviva, contradizendo —e este é seu paradoxo— o ditado vitimista de que vivemos maus tempos para a lírica. "Ao Abrigo" é uma cobertura visível, certo lar ímpar. (ADOLFO MONTEJO NAVAS)

    AO ABRIGO
    QUANTO: R$ 35 (54 págs.)
    AUTOR: Ronald Polito
    EDITORA: Scriptum

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024