Num momento de selvagem polarização ideológica do Brasil, uma editora que também publica ficção, mas com um catálogo predominantemente composto por pensadores de esquerda (como os brasileiros Leandro Konder e Michael Löwy, o esloveno Slavoj Zizek e os húngaros Gyorgy Lukács e István Mészáros), lança uma inusitada coleção de livros com conteúdo político voltado para o público infantojuvenil.
A coleção se intitula "Livros para o Amanhã". Composta por quatro títulos, originalmente publicados na Espanha no período imediatamente posterior ao fim da ditadura franquista, a série inaugura o selo Boitatá, que também poderia ser resumida na fórmula "Boitempo para crianças".
Marta Pina/Reprodução | ||
A ilustração do livro "A Democracia Pode Ser Assim" |
"'Livros para o Amanhã' sintetiza a cara que a Boitempo quer dar para a Boitatá", diz Thaisa Burani —editora-assistente da Boitempo e editora do selo com Ivana Jinkings (diretora da casa por ela fundada há pouco mais de 20 anos, em 1995).
Quem conhece o perfil combativo da Boitempo, talvez espere —para o bem (se for de esquerda, "progressista") ou para o mal (se for de direita, "conservador")— que a Boitatá traga uma lista de livros com teor doutrinário, ou que pretendam formar militantes mirins, no espírito do ditado de que "é de pequenino que se torce o pepino".
A julgar pelos exemplares de "Livros para o Amanhã", porém, pais encarniçadamente anti-esquerdistas podem se sentir a salvo do risco de "perverter" seus pimpolhos. Como explica Cristina Paiva, na resenha da coleção deste "Guia", a série responde muito mais à necessidade de, passado um período de quase 40 anos de traumas políticos na Espanha, afirmar valores de liberdade e igualdade econômica, social e individual válidos para qualquer democracia —à direita ou à esquerda. Criar pepinos emancipados de torções ideológicas não é nada mau para um país que, 30 anos após o fim do regime militar iniciado em 1964, ainda tem devaneios autoritários —à direita e à esquerda.
Ilustração de Mikel Casal | ||
Ilustração de Mikel Casal para o livro "A Ditadura é Assim" |