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    Leia trechos da sabatina de José Saramago à Folha em 2008

    DE SÃO PAULO

    18/06/2010 11h13

    O escritor José Saramago participou de uma sabatina na Folha em novembro de 2008 como parte da comemoração de 50 anos do caderno Ilustrada.

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    Saramago foi sabatinado pela jornalista Sylvia Colombo, do caderno Ilustrada, por Vaguinaldo Marinheiro, secretário de redação da Folha, por Manuel da Costa, colunista da Ilustrada e por Luis Costa Lima, colunista do caderno Mais!.

    Então com 86 anos, o escritor lançava seu trabalho mais recente, "A Viagem do Elefante". Ele voltou a criticar a bíblia e a igreja, falou sobre sua relação com Portugal e com o comunismo e apoiou o acordo ortográfico da língua portuguesa.

    Leia alguns trechos da sabatina:

    Bíblia

    Ao ser questionado se a doença mudou a sua percepção de Deus, o escritor perguntou "por que mudaria?", acrescentando que foram os médicos e a sua mulher que o salvaram.

    "Por que precisamos de Deus? Nós o vimos? A Bíblia demorou 2000 anos para ser escrita e foi redigida por homens", declarou.

    Ainda disse que a Bíblia é um "desastre", cheia de "maus conselhos, como incestos, matanças".

    Saramago também afirmou que foi o homem quem inventou Deus, o Diabo e o purgatório, que "hoje está desqualificado".

    Ele ainda voltou a criticar a Igreja, afirmando que ela inventou o pecado para controlar o corpo humano. "O sonho da Igreja é transformar todos em eunucos, quer dizer, os homens, porque as mulheres não podem ser eunucas".

    Tuca Vieira - 28.nov.2008/Folhapress
    O escritor português José Saramago durante sabatina promovida pela Folha em 2008
    O escritor português José Saramago durante sabatina promovida pela Folha em 2008

    Comunista "hormonal"

    O escritor José Saramago, 86, disse que é um comunista hormonal e comparou a ideologia ao cristianismo.

    Saramago disse que a explicação "hormonal" ocorreu quando ele refletia a perguntas sobre como ele ainda é um comunista na atualidade.

    O escritor afirmou que a pergunta era comparável a questionar alguém o fato de como era ser cristão depois da Inquisição.

    "Eu sou o que se poderia dizer um comunista hormonal", afirmou o escritor, ao dizer que "acredita" ter uma produção de "hormônio do comunismo".

    "Ser comunista é um estado de espírito", disse o escritor. Ele também afirmou que isto mostra que Karl Marx está cada vez mais atual. "Sinto, pelo menos na Europa, onde se reeditam seus livros, que as obras de Marx são bastante vendidas", afirmou Saramago.

    "O homem não morreu, ao contrário do que foi dito muitas vezes", afirmou Saramago ainda sobre o assunto.

    "Há muita gente que há três, quatro anos, podia dizer que estava na classe média. Agora não está mais, está na classe média, na pobre", disse o escritor sobre os efeitos da crise na vida das pessoas.

    Portugal

    Saramago negou que tenha um problema com Portugal. "Mudei de bairro porque meu vizinho me incomodava e meu vizinho era o governo português", afirmou o escritor.

    "Eu saí de Portugal porque tinha um problema com um governo, não com Portugal, aliás, com aquele governo que já passou", disse ainda o escritor, único detentor de um prêmio Nobel entre os escritores de língua portuguesa.

    Saramago negou ainda que seus livros reflitam fases, locais onde tenha vivido. "'Ensaio Sobre a Cegueira', que é um marco, começou a ser escrito ainda em Portugal", afirmou o escritor, que mora no arquipélago das Ilhas Canárias, Espanha.

    Cegueira

    O cineasta Fernando Meirelles teve de ser paciente e agüentar o mau humor do escritor José Saramago, 86, para convencê-lo sobre a adaptação de "Ensaio sobre a Cegueira" para o cinema.

    O Nobel de Literatura contou que a ideia para escrever "Ensaio sobre a Cegueira" surgiu quando comia em um restaurante. Ao comer o seu prato preferido, ele se perguntou "E se todos nós estivéssemos cegos?", no que ele mesmo respondeu: "Mas nós estamos todos cegos".

    "A cegueira, como é chamada no livro, é uma cegueira histórica. A história da humanidade é um desastre contínuo, sem um momento de paz", explicou.

    Para Saramago, a razão cegou a humanidade, que não usa o instinto como os animais. "Somos cegos pela razão porque a usamos para destruir a vida em todos os planos, não para expandi-la".

    Questionado se ele ainda tinha esperança que a humanidade aprendesse "essa lição", Saramago declarou que não precisa ter esperança, uma vez que é apenas um "notário, alguém que registra os fatos, alguém que vive o presente".

    Carreira tardia

    José Saramago afirmou que não tinha a ambição de ter uma carreira literária e que a sua não é produto de marketing. "Não há essa pressa de finalmente chegar a uma cria", afirmou o escritor ao comentar que aos 80, ele tem a obra que "alguém costuma ter aos 60".

    O escritor também mandou um recado aos seus críticos ao pedir que lessem o que estava escrito no passado.

    Ainda destacou que a geração de escritores surgida na década de 50 eram "escritores de culto", sustentado por um grupo fiel de leitores, mas que não tiveram uma penetração social "não muito extensa".

    Segundo ele, esses autores não foram produto de marketing. "Acontece que eu não sou produto de marketing, que dizer, agora, sim, eu virei um produto sem procurar sê-lo".

    Acordo ortográfico

    Defensor do novo acordo ortográfico dos países de língua portuguesa, o escritor minimizou a polêmica e disse que a verdadeira questão está na língua falada.

    Ele exemplificou a questão com uma anedota, dizendo que, nesta viagem ao Brasil, não conseguia compreender o nome de uma jovem que lhe pediu um autógrafo. Era Thaís. "Não era a minha Thaís, ela me disse algo que a mim não era Thaís", afirmou Saramago.

    "A língua enriquece com a diversidade. Tem que haver um exercício de tolerância", completou o escritor português.

    Sobre a atual reforma ortográfica, Saramago também usou um exemplo pessoal e disse que "reaprendeu" a escrever a palavra mãe diversas vezes, com "e" e com "i" no final. "Não tem importância, a mãe era mesma", disse, bem-humorado, o escritor.

    "Enfim, bem dentro deste fato, o que se confunde muito com aquilo que também se chama fato, que aqui se chama terno --o que é um absurdo, pois se não tem um colete, como é que pode se chamar terno. Era terno porque eram três", afirmou Saramago.

    Compondo o grande núcleo dos lusófonos no mundo, o escritor disse que, em sua opinião, há pouca literatura do Brasil em Portugal. "Precisamos equilibrar esta balança", afirmou o escritor.

    No entanto, Saramago se mostrou um otimista --bem ele que afirmou que "o mundo é péssimo"-- sobre o cenário da literatura atual. "Estamos a viver uma época bastante boa", afirmou ele sobre os jovens escritores portugueses, que afirmou ler e preferiu não citar nomes.

    Obama

    Saramago comparou o democrata Barack Obama, presidente eleito dos Estados Unidos, ao chefe de governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero.

    No entanto, ele disse também que a propaganda da mudança às vezes falha e citou como exemplo a ascensão dos trabalhistas no Reino Unido ocorrida com Tony Blair (que já abandonou o cargo).

    Sabatina

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