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    Clint Eastwood aborda com ousadia a vida do criador do FBI

    LUCIANA COELHO
    DE WASHINGTON

    05/12/2011 07h27

    Fazer um filme de amor sobre J. Edgar Hoover, o homem que criou o FBI e comandou duas versões da instituição por 48 anos enquanto retorcia a Constituição norte-americana para espionar, perseguir e chantagear, é uma ideia improvável.

    Há, na figura de Hoover (1895-1972), quase nada da suavidade ou da volúpia de que histórias assim carecem.

    Mas, ao abordar o relacionamento de décadas entre ele e seu número 2, Clyde Tolson, "J. Edgar" trata mesmo de improbabilidades.

    A mais surpreendente não é a ousadia da ideia (não há indício concreto de que Hoover fosse gay, mas suspeitas emanam de seu estilo de vida: perseguia gays e quem o chamasse de gay; nunca se casou nem namorou publicamente; viveu com a mãe até os 43, quando ela morreu; sua companhia constante era Tolson, seu herdeiro).

    É a tremenda humanidade injetada no personagem central por Leonardo DiCaprio (pode esperar um Oscar pela atuação), que, ao tentar explicar a obsessão de Hoover por segredos, constrói um sujeito movido a angústia, às vezes mesquinho, às vezes grandioso, muito inseguro e tão implacável quanto profundamente infeliz.

    De uma boa lavra de filmes políticos, "J. Edgar", que estreia no Brasil em janeiro, entrecorta a linha temporal para narrar a vida de Hoover de quando ele entrou no Birô de Investigação, predecessor do FBI, em 1919, até sua morte, em 1972, de infarto.

    Ampara-se para tanto em três laços centrais: com Tolson (o competente Armie Hammer, que faz os gêmeos de "A Rede Social"), com a mãe, Anna Marie (Judy Dench, fantástica), e com a secretária que o serviu por 40 anos, Helen Gandy (Naomi Watts).

    Mas no roteiro ambicioso de Dustin Lance Black e na direção delicada e firme de Clint Eastwood, a homossexualidade de Hoover é asséptica, sem sexo (exceto um fictício beijo), e tão exasperante que quase dói assistir.

    O casamento perfeito da sobriedade de Eastwood com o ativismo apaixonado de Lance Black, os dois em campos opostos do espectro político, é aliás a outra improbabilidade feliz do filme.

    Se o roteirista destrava o que o diretor quer suprimir, o diretor apara o que o roteirista quer desbragar. (Pense em trabalhos emblemáticos dos dois, "Gran Torino" e "Milk - A Voz da Igualdade").

    Sem a dicotomia, seria impossível conceber um filme da suposta homossexualidade de Hoover sem cair no ridículo ou no inverossímil.

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