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    'Breaking Bad' era boa por criar problemas sem saber como resolvê-los, diz escritor

    CESAR SOTO
    DE SÃO PAULO

    06/10/2013 12h01

    Walter White, protagonista de "Breaking Bad" (ganhadora do Emmy de melhor série dramática), começou a enfrentar seu destino na sexta-feira (4) --ao menos nas telas brasileiras, onde a segunda metade da quinta e derradeira temporada estreou no canal por assinatura AXN.

    Com o desfecho do personagem, vem também o fim de uma das séries mais cultuadas daquela que tem sido chamada de nova era de ouro da televisão. O livro "Difficult Men - Behind the Scenes of a Creative Revolution", lançado em junho nos EUA e escrito pelo jornalista Brett Martin, conta os bastidores de alguns dos principais exemplos dessa fase, como "Mad Men", "Família Soprano", "The Wire" e "Breaking Bad".

    Enquanto cobria televisão para a revista "GQ", Martin foi convidado a escrever o livro oficial da série sobre gângsteres da HBO, "Família Soprano". "Comecei a sentir que uma grande mudança estava acontecendo. Era algo que todo jornalista quer, participar da cobertura de uma transformação tão grande", diz. Assim surgiu a ideia para "Difficult Men".

    Confira a entrevista dada por Martin à Folha por telefone, na qual ele fala sobre a importância da existência da figura do showrunner --que é, para séries de TV, "o que um diretor é para o cinema"-- e sobre os motivos do sucesso de "Breaking Bad":

    *

    Folha - A TV está se equiparando ou superando o cinema criativamente?
    Brett Martin - TV é onde a grande criatividade tem ido nos últimos dez anos. Não sei se podemos dizer que ela está maior, porque os filmes ultimamente estão maiores do que nunca, em um sentido em que eles são caros e as pessoas ainda vão vê-los. No entanto, está muito claro que, para contar boas histórias, histórias complexas, as pessoas têm ido à televisão.

    O que faz um 'showrunner'?
    O 'showrunner' é um termo da televisão que existe há muito tempo. Ele é a pessoa responsável pela série, parte produtor-executivo, parte roteirista, parte criador. É o defensor da visão do programa. Ele é algo que toda série tem, as ruins e as boas. As demandas da televisão são tão grandes que você precisa de alguém muito poderoso para ter o controle de tudo. Nesta nova era de ouro, ele é para televisão o que um diretor é para o cinema.

    Você acha que uma boa série tem que ter um bom showrunner?
    Acho que sim. É preciso ter alguém com uma visão forte e que consiga trazer essa visão à realidade. Outra coisa importante é que é preciso ter alguém capaz de colaborar com outros roteiristas ou artistas. É uma das coisas mais importantes. Em todo grande show você vê uma grande figura assim.

    Vince Gilligan (showrunner de "Breaking Bad) é responsável então pela qualidade da série?
    Claro. Parte da sua grandeza é saber como fazer outras pessoas contribuírem, como deixar Bryan Cranston, o ator [que interpreta Walter White], trazer o seu talento ao processo. Sem Vince Gilligan não haveria "Breaking Bad". Simples assim.

    Você esteve próximo à equipe de roteiristas enquanto escrevia seu livro. Eles já tinham a história completa desde o começo ou iam mudando as coisas com a reação do público?
    Não acho que eles mudaram por causa da reação da audiência, mas não creio que eles sabiam das coisas com muita antecedência. Eu não estava lá o tempo todo, mas, da última vez que eu falei com Gilligan antes dessa temporada começar, ele mesmo disse que não sabia como ela terminaria. É incrivelmente difícil conseguir fazer uma temporada, que dirá planejar tanto e pensar em sete ou oito passos à frente. Este grupo de escritores frequentemente se colocava em situações sem saída. Eles criavam um problema sem saber qual seria a solução, e isso aconteceu até o fim. Provavelmente, era por isso que o programa era tão bom.

    Você já disse em outras entrevistas que a sala de roteiristas da série era um ótimo ambiente para se trabalhar criativamente. Gilligan era o responsável por isso? O que tornava o lugar tão bom?
    Meu livro fala um pouco sobre isso, sobre como cada showrunner tem que criar uma sala de roteiristas que funcione para si. Alguns deles criam ótimas séries com salas extremamente infelizes. Mas o que aconteceu neste caso foi que Vince ditou o tom de uma forma que as pessoas se sentiam felizes, confortáveis e podendo contribuir. Acho que tudo começou com ele, sim. Havia um espírito de abertura e colaboração genuínas. Você pode ver isso porque a equipe toda está lá desde o começo, o que é algo quase inédito em televisão.

    E qual era o processo de escrita?
    À primeira vista, era bem parecido ao de qualquer outra equipe. Apenas um bando de gente sentada, falando besteira. De alguma forma, através disso, saía a série. A verdade é que você não vê o trabalho sendo feito como em outros lugares. Na verdade, parece mais o horário de almoço.

    A história sofreu mudanças, então?
    O personagem de Hank que vemos hoje não estava nem um pouco formado no começo. Ele era mais um alívio cômico e só com o passar do tempo que ele foi se tornando um adversário à altura para Walt.

    Jesse deveria morrer, e obviamente isso não aconteceu [risos]. Isso é algo muito comum nessas séries. Um bom exemplo é Roger Sterling, de "Mad Men", que também deveria morrer, mas ele [o ator John Slattery] tem uma performance tão incrível que ainda está lá.

    E essas são apenas algumas das tranformações que ocorreram ao longo da série.

    Você já disse que adoraria que outras pessoas pensassem que sabe como será o episódio final, mas que na verdade não sabe nada. Isso é realmente verdade?
    Eu não sei nada! Nada mesmo! Zero. E fico feliz por não saber. Nem tenho passado muito tempo pensando a respeito ou tentando adivinhar. É um prazer tão imenso assistir e ser surpreendido que eu não me interesso em adivinhar. Vou sentir falta de poder assistir a série, de verdade.

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