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    Novos romances distópicos trazem grandes corporações como vilãs

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    04/01/2014 03h06

    Governos tirânicos, daqueles que controlam o pensamento dos cidadãos ou mandam todos os livros à fogueira, já não assombram mais os escritores como antigamente.

    No passado, foi esse o grande medo de autores como George Orwell (1903-1950) e Ray Bradbury (1920-2012). Mas na nova onda de romances distópicos, que imaginam o futuro da humanidade, o pesadelo vem sob a forma de grandes corporações.

    Segmento juvenil vive 'boom' de fórmula dos romances distópicos

    Pode ser um gigante da tecnologia ao estilo Google/Facebook, que prega o fim do anonimato, como em "The Circle", de Dave Eggers, 43, lançado em outubro nos EUA.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Ou pode ser um conglomerado da engenharia genética que não só cura mas também cria doenças para garantir os lucros — caso da trilogia "MaddAddam", da canadense Margaret Atwood, 74.
    O último volume da série saiu em setembro nos EUA; no Brasil já foram publicados os outros dois, "Oryx e Crake" (Rocco, R$ 46) e. "O Ano do Dilúvio" (Rocco, R$ 59).

    O livro de Eggers (ed. Knopf, cerca de R$ 34, na Amazon), que deve ser lançado no Brasil ainda neste ano pela Companhia das Letras, narra a história de uma jovem que vai trabalhar na poderosa companhia O Círculo, que concentra rede social e serviços de busca na internet.

    "Privacidade é roubo" é um dos slogans da empresa, que monitora a vida de todos os usuários de sua rede com pequenas câmeras e deixa dados pessoais expostos.

    "O medo de perder a privacidade é antigo, já há um grão dele em '1984', de Orwell", diz o escritor Bráulio Tavares, pesquisador de literatura de ficção científica. "Mas ele não poderia imaginar o grau a que chegamos hoje com as redes sociais."

    EMPRESA MODERNINHA

    Eggers se recusou a comentar o livro, mas concedeu uma breve entrevista ao site de sua editora norte-americana.

    "Muitas vezes eu pensava em algo que uma empresa como O Círculo poderia criar [...] e, então, acaba lendo a respeito dessa mesma invenção, ou até algo mais extremo, no dia seguinte", afirmou.

    Na ocasião, ele negou fazer referência ao Google ou ao Facebook, apesar de o livro se passar numa corporação moderninha, cheia de jovens, no Vale do Silício.

    Comparações com "1984" também não faltaram. A revista "New Yorker" apontou que o SeeChange, programa criado pelo Círculo para vigiar o mundo com minicâmeras, se assemelhava às teletelas monitoradas pela Polícia do Pensamento no livro de Orwell.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Os slogans da empresa imaginada por Eggers: "Privacidade é roubo", "segredos são mentiras" e "compartilhar é cuidar" também ecoam o tríptico "guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força", de "1984".

    No universo criado por Atwood (ed. Nan A. Talese, cerca de R$ 42,50, na Amazon), a corporação chamada HelthWyzer tomou o lugar do próprio Estado após a disseminação de uma praga: ela mantém o próprio Exército e esmaga seus opositores.

    Autor de livros de ficção científica, Roberto Causo crê que o papel de vilão das empresas tenha a ver com certo descrédito no livre mercado.

    "A ausência do Estado na regulação da economia deu poder às empresas e levou a crises financeiras e acidentes ecológicos", afirma.

    "Nisso surge nos escritores o medo de que as corporações subvertam a democracia e a economia domine a política."

    Colaborou RAQUEL COZER

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