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    Crítica: Diretor de filme português faz jogo sutil de silêncios e segredos

    SÉRGIO ALPENDRE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/01/2014 03h09

    Em "O Gebo e a Sombra", longa mais recente de Manoel de Oliveira, Gebo (Michael Lonsdale) é o contador de uma grande empresa. Ele mora numa casa simples com a mulher Doroteia (Claudia Cardinale) e a nora Sofia (Leonor Silveira), e desconhece o paradeiro de seu misterioso filho João.

    Doroteia acha que todos poderiam estar ricos se ele não fosse tão cabeça-dura, tão fechado às chances que o emprego lhe dá. Sofia o questiona moderadamente, como quem não sabe ao certo se tanto sofrimento vale a pena.

    Em determinado momento, a mulher de Gebo menciona que o amor dele pela nora é maior que pelo próprio filho. Ele concorda, em silêncio e em segredo.

    Divulgação
    Jeanne Moreau, Michael Lonsdale, Luís Miguel Cintra e Claudia Cardinale em cena do filme
    Jeanne Moreau, Michael Lonsdale, Luís Miguel Cintra e Claudia Cardinale em cena do filme

    Esse é o cinema de Oliveira, que está com 105 anos. Feito de palavras, mas também de silêncios. De luz e de sombras. De entonações e variações de humor. De segredos.

    Há muito mais nas contas de Gebo do que sinais e algarismos. Há uma vivência, um passado de dedicação pouco reconhecida, de cuidados com os próximos, de zombaria dos colegas.

    Há também uma armadura que o protege dos sentimentos gananciosos de familiares e das futricas dos vizinhos.

    Gebo se sente à vontade em meio aos números, com voz e tranquilidade de quem não deve nada à vida. Por trás de suas inúmeras falas, e de Sofia, Doroteia ou João, que retornou ao lar por motivos escusos, vemos um mundo de acontecimentos, frustrações e desejos que se imbricam.

    Essas imbricações são contempladas por uma mise-en-scène precisa, para não dizer perfeita; uma noção de tempo, espaço, entonações e comunicações gestuais que poucos diretores conseguem atingir.

    O produtor Luís Urbano veio apresentar o filme na Mostra de SP de 2012. Disse que a tecnologia digital permitiu a Oliveira filmar planos de 25 minutos. Leonor Silveira, também presente, disse que os atores iam às filmagens preparados para trabalhar com um catatau de 80 páginas de roteiro.

    Urbano também disse que Oliveira desenhou, num guardanapo, como queria a casa em que se passa quase todo o filme, que o resultado que vimos é bem fiel ao desenho e que esse guardanapo está guardado para a posteridade.

    "O Gebo e a Sombra" é sublime por conseguir, com a atenção aos detalhes e o respeito ao texto demonstrados pelo produtor e a atriz, que tudo se harmonize perfeitamente num jogo de esconde-esconde marcado pela complementação e pela contraposição —nunca pela reiteração ou pela negação— entre imagem e palavra.

    O GEBO E A SOMBRA
    DIREÇÃO Manoel de Oliveira
    PRODUÇÃO Portugal, 2012
    ONDE CineSesc
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos
    AVALIAÇÃO ótimo

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