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    Preparadora de 'Tropa de Elite' lança livro sobre seu método 'intenso'

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    19/01/2014 03h10

    Nas mãos dela, Alice Braga caiu no choro, Wagner Moura socou a barriga de Lázaro Ramos e Stênio Garcia perdeu os sentidos e vomitou. Figura tão polêmica quanto onipresente nos filmes brasileiros, a preparadora de elenco Fátima Toledo lança amanhã um livro sobre sua trajetória no cinema nacional.

    Na obra, que também traz depoimentos de atores e diretores, ela relata ao autor Maurício Cardoso bastidores de filmes como "Cidade de Deus", "Tropa de Elite" e "Linha de Passe" e disseca o seu controverso método.

    "A pessoa tem que se revelar para revelar o personagem, e não construí-lo", afirma Fátima, 60, à Folha. "Se você busca só o ator, vai ter respostas muito conhecidas. Mas, se procura o ser humano antes, encontra a sua marca pessoal, que é o que dá o brilho."

    Marlene Bergamo/Folhapress
    A preparadora de elenco Fátima Toledo, 60
    A preparadora de elenco Fátima Toledo, 60

    Fátima chegou ao cinema com "Pixote: A Lei do Mais Fraco" (1981), de Hector Babenco. Ela dava oficinas de teatro a internos da Febem (hoje Fundação Casa) quando foi descoberta pelo cineasta. "Uma mulher descalça, frágil, rodeada por um grupo de adolescentes, tentava dar a eles maneiras de relaxamento", relata Babenco no livro.

    Contratada para preparar os jovens atores do filme, tentou treiná-los com a bagagem que trazia: métodos clássicos de interpretação, como o de Stanislavski (1863-1938).

    "Olhei para aqueles meninos e vi que faziam bem, mas não tinham vida. Não os sentia totalmente presentes", lembra. Aos poucos, abandonou as lições do russo para traçar a própria metodologia "de forma instintiva", diz.

    Ela resume o treinamento em três etapas: "Entender o momento da vida do ator, seu nível de doçura, de raiva, de resistência"; fazer dinâmicas para reproduzir as relações entre os personagens; e ensaiar cenas sem grandes marcações e convocar o diretor para assistir a elas.

    Na segunda etapa, há o "exercício da valsa". "Duas pessoas dançam juntas. Quando digo 'afastou', elas se separam e têm de falar coisas que vêm do coração, se agredindo, depois se juntam de novo." Já no "exercício da mesa", um ator se senta em silêncio enquanto os outros dizem tudo o que pensam sobre ele.

    TAPA NA CARA

    Os métodos de Fátima ganharam notoriedade após "Cidade de Deus" e "Tropa", que, segundo ela, deram ao treinamento a fama de violento. "Tapa na cara? Pode ter ocorrido algumas vezes. Mas por que acham isso tão problemático? Os filmes pediam aquilo", diz.

    Em "Tropa", Fátima recomendou que um ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) extenuasse o elenco com abdominais.

    Milhem Cortaz, que viveu o policial Fábio Barbosa na produção, foi forçado a comer macarrão com as mãos. "Foi doloroso, mas, se ele não experimentasse a dor, não responderia organicamente à situação do filme", explica.

    O ator Wagner Moura defende o método. "A Fátima é intensa, e eu acho que essa intensidade é importante. Gosto do fato de ela trabalhar com gente que não puxa o freio de mão", diz à Folha.
    Já o ator Marat Descartes abandonou a preparação para o filme "2 Coelhos". "Achei desnecessário para a construção do meu personagem. Para mim funciona mais com uma boa conversa do que com a força bruta."

    Em "Última Parada 174", o diretor Bruno Barreto cancelou a parceria com a preparadora. Ele questiona o uso indiscriminado de preparadores para atores profissionais. "Não sei como alguém pode se dizer diretor se não consegue dirigir um ator", afirma.

    Karim Aïnouz, diretor que trabalhou com Fátima em "O Céu de Suely", discorda. "Ela não dirige o ator, não está presente no set. Ela simplesmente prepara para a jornada emocional do personagem."

    Para Aïnouz, o método não é violento. "Ela faz com que o ator esteja inteiro na hora de filmar, presente. Nada pior do que um ator falando no celular entre um take e outro."

    RAIO-X

    VIDA
    Nasceu em Maceió (AL), em 1953, e se mudou para São Paulo durante a adolescência. É formada em comunicação visual pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

    CARREIRA
    Começou nos anos 1970, dando aulas de teatro para internos da Febem (hoje Fundação Casa). Em meados de 1980, Hector Babenco a convidou para preparar o elenco do filme "Pixote: A Lei do Mais Fraco" (1981). Trabalhou em filmes como "Central do Brasil" (1998), "Cidade de Deus" (2002), "Desmundo" (2002), "Tropa de Elite" (2007) e "Assalto ao Banco Central" (2011)

    COLABOROU ISABELLE MOREIRA LIMA

    FÁTIMA TOLEDO: INTERPRETAR A VIDA, VIVER O CINEMA
    AUTOR Maurício Cardoso
    EDITORA LiberArs
    QUANTO R$ 55 (246 págs.)

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