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    Crítica: Elenco é bem dirigido em terror de baixo orçamento com Sandy

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    30/01/2014 03h03

    Existe um tempo perdido em "Quando Eu Era Vivo" que o próprio título indica. A perda é cruzada. Júnior, o filho (Marat Descartes), não vivencia o presente. O seu tempo é, necessariamente, pretérito. Tanto que, chegando à casa de José, seu pai, após uma separação, logo trata de desencaixotar os velhos objetos que o pai depositou num quarto de despejo.

    O tempo do pai também é conflituoso: ele busca viver o presente em tudo que pode (a renovação do prédio, da casa, a namorada, os exercícios físicos), mas essa atividade (sobretudo mental) frenética parece responder à necessidade de enterrar o passado, sua história, de renovar tudo.

    No entanto, desde o início observamos a figura descomposta desse pai (Antonio Fagundes, melhor do que nunca) e notamos que alguma coisa falhou em sua tentativa de recalcar o passado, ou, mais ainda, de extirpá-lo de seu mundo simbólico.

    Flora Dias/Divulgação
    Sandy, que interpreta uma estudante de música no filme 'Quando Eu Era Vivo
    Sandy, que interpreta uma estudante de música no filme 'Quando Eu Era Vivo'

    Impossível fazê-lo: ali está o filho, imagem concreta de seus pesadelos. Ali estão os objetos que invadem, como fantasmas, a casa. Além das imagens de infância de Júnior e do irmão (internado em um hospício), coisas que aprisionam as figuras no passado: o tempo gravado em vídeo, feito imagem, incide sobre os personagens e como que se apodera de suas almas.

    MEDO E MÚSICA

    A partir desses elementos Marco Dutra, novamente, nos lança no universo do terror (como em "Trabalhar Cansa", codirigido por Juliana Rojas, mas mais incisivamente).

    Existe um outro fator a não descartar e que parece constante na turma sempre invulgar dos Filmes do Caixote: a música. Ela é decisiva nas personagens femininas do filme. Aquela que só aparece em foto, a mãe, e a jovem que aluga um quarto na casa, Bruna (Sandy), estudante de música.

    Como passamos daí a um filme de terror? As senhoras do terror são justamente as mulheres: a mãe (pela qual se introduz o demônio), a ex-mulher de Júnior (que ficará com a guarda do filho do casal) e, por fim, Bruna (saberemos como vendo o filme).

    Afirmar essa presença edipiana é, talvez, elementar, mas seguramente não retira de "Quando Eu Era Vivo" essa força que vem do mistério dos seres e das situações em que se envolvem, do tipo de contido desespero que se estampa em cada ação, em cada rosto -e que constituem grande parte da forte atmosfera que o filme produz (e projeta em nós), sobretudo na primeira parte.

    Talvez se possa ver a opção de Dutra, na segunda parte, por um terror de sugestão como uma espécie de timidez: como se o filme evitasse o risco do ridículo, tão frequentemente associado ao gênero.

    Estamos mais perto de "O Iluminado" (evocado na composição, aliás notável, de Marat Descartes) do que nas águas mais turbulentas de "Carrie, a Estranha".

    No elenco muito bem dirigido, a composição menos compreensível é a de Sandy, com uma maquiagem que a deixa com ar de manicure e não de musicista: estranha opção à qual o filme, afinal, resiste bem.

    QUANDO EU ERA VIVO
    DIREÇÃO Marco Dutra
    PRODUÇÃO Brasil, 2014
    ONDE Espaço Itaú - Frei Caneca, Metrô Santa Cruz, Villa-Lobos Cinemark e circuito; estreia amanhã
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos
    AVALIAÇÃO bom

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