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    'Sinto um espírito de barril de pólvora no Brasil', diz o diretor José Padilha

    RODRIGO SALEM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

    19/02/2014 03h03

    José Padilha, diretor dos dois "Tropa de Elite", estreia em Hollywood tratando de um assunto no qual entende bem: violência urbana.

    Na refilmagem de "RoboCop", o cineasta volta a falar sobre polícia e opressão, mas de forma global.

    Leia a entrevista com o carioca feita em Los Angeles:

    Folha - O filme fala sobre violência urbana e como um robô não consegue julgar certas questões morais. Como ele reagiria a um "rolezinho"?
    José Padilha - Depende da fase. Se fosse na fase que é um programa de computador, ele reagiria de acordo com a vontade do chefe. Como Raymond Sellars [personagem de Michael Keaton no filme, um empresário que deseja lucrar com a legalização do uso de robôs como força policial] certamente é dono de muitos shoppings, ele não iria gostar (risos).

    Divulgação
    O diretor brasileiro José Padilha no set de 'RoboCop
    O diretor brasileiro José Padilha no set de 'RoboCop'

    É mais fácil tratar do assunto em um país mais preto no branco?
    O Brasil é infinitamente mais violento que os Estados Unidos em termos internos. Nos Estados Unidos, a polícia mata 300 pessoas todo ano e dentro de uma população de 300 milhões de habitantes. Apenas no Rio de Janeiro, a polícia mata mil pessoas por ano em um número de sete milhões de habitantes. A violência no Brasil é sistematizada, a gente convive com ela, escreve e lê sobre ela todo dia no jornal. Nos EUA, há eventos violentos, como um cara que invade a faculdade e mata vários, existe ataque terrorista, mas estatisticamente não dá para comparar os dois países. A gente tem de gramar bastante para chegar no nível de segurança que existe aqui.

    A tecnologia poderia servir como controle?
    O problema é uma classe política terrivelmente incompetente, desonesta. Sinto um espírito de barril de pólvora no Brasil, como nunca antes tinha sentido. E olhe que já fui em muitos lugares do país que quase ninguém vai. Andando na praia, vendo policial com cassetete e caminhão blindado. E tem arrastão, "rolezinho", black bloc... Tem um lado bom, porque chega uma hora em que precisamos dar um basta, mas não sei o que vai sair daí. Não vejo com clareza uma agenda propositiva, vejo apenas uma agenda destrutiva. Pense no "rolezinho": Eu não gosto de um shopping center, então vou esculhambar o local? É um protesto questionável, porque existem lojistas e trabalhadores normais. Há empresários que não estão roubando ninguém, correm riscos ao abrir seu negócio. Se você inviabiliza isso, quem você está punindo? Eu prefiro que acampem na casa de um político.

    Você enxerga conexões entre "Tropa" e "RoboCop"?
    Em "Tropa de Elite", você vê um monte de policiais sofrendo uma espécie de lavagem cerebral no treinamento, achando que tortura é algo normal. Eles se comportam como máquinas apoiadas pelo Estado. Meu objetivo é provocar uma discussão e alcançar um público maior ao mesmo tempo. A ideia de que um filme comercial precisa ser idiota é idiota (risos).

    Você é uma pessoa fácil de se lidar?
    Não. Para falar a verdade, eu sou um inferno de se lidar. É normal. Eu defendo minhas ideias e não faço muita concessão. E deixo isso claro. Eu falei desde o início: "Olhe, eu quero fazer esse filme dessa maneira. Vocês querem? Têm certeza que querem fazer esse filme comigo?"

    Foi uma batalha, mas isso é RoboCop. Não é um Homem-Aranha ou Homem de Ferro... "RoboCop" é um filme icônico, crítico e radical de Paul Verhoeven. Não daria para fazer um "G.I. Joe" com ele (risos).

    Por que você deixou o filme menos violento?
    Eu fiz filmes violentos. Em "Tropa de Elite", o cara dá um tiro no rosto do outro na frente da câmera. Se o filme precisa de violência, ele será violento, mas se a lógica interna demandar isso. Não daria para fazer um "Laranja Mecânica" sem aquele tipo de violência. Explodir um cérebro na tela não acrescentaria em nada ao que estou falando. E eu acho o filme violento. A quantidade de gente que explode, tem uma criança metralhada por um robô.

    O personagem de Samuel L. Jackson é um âncora de TV ultradireitista, que apoia o uso de robôs no controle do crime nos EUA. Não teme que as pessoas levem a sério nos EUA?
    A ironia está bem clara. A criança é metralhada no Irã, quando a câmera volta para o personagem, manda a repórter que está no local parar de chorar. Não dá pra questionar que é uma ironia. Tem que ser muito parvo para não entender. Eu não posso nivelar por baixo o que vou fazer. Senão, eu vou fazer novela (risos).

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