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    Filme sobre adaptação de 'Mary Poppins' narra vida difícil da autora

    MARGY ROCHLIN
    DO "NEW YORK TIMES"

    23/02/2014 03h00

    Há quase 50 anos, os cinéfilos cultuam "Mary Poppins" (1964) como um clássico de fantasia da Disney, sobre uma babá inglesa mágica, um limpador de chaminés sorridente e a desajustada família de um banqueiro londrino.

    Mas "Walt nos Bastidores de Mary Poppins", filme da Disney que tem estreia no Brasil prevista para dia 7 de março, conta duas histórias menos alegres.

    Em flashback, o filme de John Lee Hancock ("Um Sonho Possível") narra o triste passado de P. L. Travers, a autora de "Mary Poppins", quando menina na Austrália, em um lar com um pai alcoólatra e uma mãe suicida.

    François Duhamel/Divulgação
    Ruth Wilson e Colin Farrell interpretam os pais da escritora de 'Mary Poppins'
    Ruth Wilson e Colin Farrell interpretam os pais da escritora de 'Mary Poppins'

    A segunda história gira em torno das duas semanas em 1961 nas quais Walt Disney (Tom Hanks), após batalhar por quase 20 anos pelos direitos de adaptação do livro junto a Travers (Emma Thompson), enfim a convence a visitar a Califórnia, onde os irmãos Sherman, compositores do estúdio, enfrentam problemas para colaborar com ela.

    A crítica elogiou o desempenho de Hanks como o sorridente empresário internacional nada acostumado a ouvir não como resposta e o de Thompson, que confere a Travers doses equilibradas de exasperação, determinação e vulnerabilidade.

    Leia abaixo trechos da entrevista concedida por Tom Hanks e Emma Thompson.

    *

    Emma, as suas experiências na adaptação de "Razão e Sensibilidade" e "Nanny McPhee" ensinaram algo sobre Travers e a situação que ela enfrentou na adaptação de "Mary Poppins"?

    Emma Thompson - A grande diferença é que adaptei um livro como roteiro. Roteiros são concebidos para serem entregues a terceiros. Travers estava escrevendo algo que vinha da parte subatômica de sua personalidade, e não estava disposta a ceder controle nenhum, porque dependia daquilo emocionalmente.

    Você pesquisou bastante sobre Travers? Ela era mesmo fria como o filme retrata?

    Thompson - Kelly [Marcel, roteirista do filme] contou que os netos de Travers disseram que a avó havia morrido sem amar pessoa alguma, e sem ser amada por pessoa alguma.

    Emma, o que você aprendeu sobre ela ao ouvir sua voz em gravações do período?

    Thompson - As fitas revelam muito. Pode-se ouvir o incômodo, a tensão, a resistência e a determinação de sabotar na voz dela.

    Você sempre manteve em mente que Travers enfrentava problemas financeiros quando cedeu os direitos de adaptação para "Mary Poppins"?

    Thompson - Creio que isso seja parte vital da história. Ela estava sozinha.

    Tom Hanks - Ninguém sabe o que disseram um ao outro no momento de decidir, mas aposto que foi algo relacionado a dinheiro. "Ei, boneca, você vai envelhecer e morrer sozinha. Não prefere ter muito dinheiro no bolso? Então, deixe que eu faça o filme."

    Thompson - E não é só uma questão financeira. Ela vem da dificuldade permanente das mulheres, sobre a qual as pessoas escrevem desde a era de Jane Austen. O que você faz? Como ganhar a vida, se você não estiver casada com alguém que pague as contas?

    François Duhamel/Divulgação
    Emma Thompson, como P.L. Travers, e Tom Hanks, como Walt Disney, em cena do longa
    Emma Thompson, como P.L. Travers, e Tom Hanks, como Walt Disney, em cena do longa

    O filme aborda os limites do charme numa transação de negócios. Disney tinha charme. Travers se irritava com isso.

    Hanks - Não consigo sorrir como ele. Meu sorriso tem um ar meio demoníaco. O dele era do tipo "que maravilha é estar vivo". E agia assim em toda parte -na ONU ou em qualquer lugar que visitasse.

    Thompson - Estamos falando sobre dois extremos de um espectro amplo e variado, de um homem cujo charme era irresistível, e de uma mulher que se recusava a usar o charme. Ela tinha charme. Mas preferia não usá-lo.

    Como você encontrou o caminho para interpretá-la?

    Thompson - Foi difícil. Quando crio um personagem, faço um esboço, como se colocasse um papel sobre ele e traçasse seus contornos, e depois decido que pedaços devo exibir. O relacionamento entre pai e filha, a perda da capacidade narrativa do pai, sua perda de controle, de poder. São traços de conexão importantes para mim.

    Meu pai teve um derrame aos 48 anos. Perdeu a capacidade de falar, e eu fui a única pessoa que ele permitiu que o ajudasse a aprender a falar de novo.

    Eu tinha 18 ou 19 anos, e tentava ajudar meu pai, mostrando cartões com frases como "eu sou" e "você é". Encontrei essas conexões. Mas creio que a maioria dos artistas é fundamentalmente inconsolável. É por isso que persistem.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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