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    Escritor chileno revê ditadura com olhar pessoal

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    11/03/2014 02h30

    A certa altura de "Formas de Voltar para Casa", terceiro romance do chileno Alejandro Zambra, 39, o escritor admite estar apoderando-se da história de outros.

    "Enquanto os adultos matavam ou eram mortos, nós fazíamos desenhos num canto. Enquanto o país se desfazia em pedaços, nós aprendíamos a falar, a andar, a dobrar os guardanapos em forma de barcos, de aviões", escreve o chileno.

    Zambra integra a geração de autores do Cone Sul que eram crianças ou adolescentes durante as ditaduras em seus países. Dela, fazem parte também os argentinos Martin Kohan e Alan Pauls (que assina a orelha do livro), entre outros.

    Zanone Fraissat/Folhapress
    O escritor chileno Alejandro Zambra, autor de 'Formas de Voltar para Casa', na Flip em 2012
    O escritor chileno Alejandro Zambra, autor de 'Formas de Voltar para Casa', na Flip em 2012

    O que trazem de novo é, basicamente, um olhar oblíquo sobre a repressão, mais intimista, que investiga os mistérios e o sofrimento dos pais, em geral envolvidos na luta contra a repressão militar.

    "Para minha geração foi muito difícil matar o pai. Por estar envolvido na resistência, o pai era um herói, quiçá um mártir ou uma vítima, então você não podia simplesmente matá-lo", diz Zambra em entrevista à Folha.

    Os embates existenciais e a formação da personalidade dos que nasceram nos anos 1970 conduzem a narrativa do romance.

    Nele convivem lembranças do autor da Maipú (comuna de Santiago na qual viveu sua infância nos anos 1980) e o momento na era pós-Pinochet em que confronta o passado, sem necessariamente obter respostas. Em ambas, o amor de uma mulher, de quem se afasta e por fim reencontra, o faz seguir obstinadamente alguns mistérios.

    "Meus outros romances também são compostos de memórias. A diferença é que aqui escrevo em primeira pessoa, uma primeira pessoa dupla. Sempre quis escrever sobre minha infância em Maipú e o mundo que abandonamos para ser o que queríamos ser, mas do qual nunca conseguimos simplesmente sair", explica.

    No momento em que o Chile vive uma fase de mudança, com a nova posse, hoje, de Michelle Bachelet, Zambra ainda vê um processo incompleto em seu país.

    "O processo de saída do Chile da ditadura foi lentíssimo e frustrante. Supõe-se que o regime terminou em 1990, com a saída de Pinochet. Mas talvez tenha ido até sua prisão, em Londres, em 1998, ou sua morte, em 2006. Em certo sentido, é impossível tomar a ditadura por terminada se a ordem atual só pode ser explicada a partir dela", diz.

    Ainda assim, crê que o retorno de Bachelet, filha de um general que resistiu ao regime e morreu na prisão, é poderoso como símbolo. Porém se diz confiante no atual momento mais pelo aumento da participação da sociedade, iniciado com as passeatas estudantis de 2011, do que por outra coisa.

    "Há uma geração de gente que não foi criada no medo e que sinceramente não entende porque deve conformar-se com o estado das coisas."

    Zambra considera que há uma novíssima literatura latino-americana. Se a geração dos anos 1990 tentou romper com o "realismo mágico", a dos dias de hoje aposta em propostas como "o experimentalismo, a vontade de assumir riscos e a autonomia literária. Talvez o mais valioso é que não queremos fazer marketing de nós mesmos como um grupo renovador".

    FORMAS DE VOLTAR PARA CASA
    AUTOR Alejandro Zambra
    TRADUÇÃO José Geraldo Couto
    EDITORA Cosac Naify
    QUANTO R$ 29 (160 págs.)

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