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    Moradores de favela aprovam retrato em 'Alemão', mas relatam isolamento

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL AO RIO

    13/03/2014 03h03

    Não é fácil chegar ao Complexo do Alemão ou ao da Penha, imenso conjunto de favelas pacificadas desde 2010, na zona norte do Rio.

    Não por conta de barreiras em vias de acesso ou da mera distância, mas porque o estigma que cerca o bairro, habitado por 300 mil pessoas, toma várias formas para bloquear o acesso de visitantes.

    A Folha foi alertada do risco por ativistas de ONGs, colegas da imprensa, moradores de bairros vizinhos e até pelo taxista da zona sul que, ao chegar na entrada da Vila Cruzeiro, pediu, por favor para voltar a Copacabana. "Aqui é treta, senhora."

    Divulgação
    Os atores Caio Blat (esq.), Milhem Cortaz, Marcello Melo Jr. e Otávio Muller
    Os atores Caio Blat (esq.), Milhem Cortaz, Marcello Melo Jr. e Otávio Muller

    Segundo todos, não seriam estes dias bons para entrar nas comunidades pacificadas, pois há uma escalada da violência e a ameaça de nova intervenção militar.

    "Com isso, todos têm desculpa pra não vir aqui saber como nós estamos. Dizem só que somos perigosos, como se todos os habitantes do complexo fossem bandidos. Estamos isolados da sociedade", diz Jussara, 32, ao sair de um salão de beleza na avenida Nossa Senhora da Penha. Os moradores que falaram pediram que seus sobrenomes não fossem divulgados.

    Perto dali vive MC Smith, cantor de funk e ator de "Alemão", que recebeu a reportagem em sua casa numa rua tranquila do bairro, onde crianças caminhavam com pastas de escola nas mãos.

    "Óbvio, está mais calmo desde que a polícia chegou, não há mais traficantes aqui. Mas também os moradores estão com medo, calados. Andamos olhando para o chão", conta ele, descrevendo o clima após a ocupação militar.

    "Era melhor com os traficantes aqui, tinha baile funk, a gente podia ficar na rua com os amigos até tarde. Dizem que virá mais intervenção. Em vez de gastarem com polícia e arma, deviam gastar com a educação de nossas crianças", diz Júnior, que, anteontem, vendia frutas num carrinho ambulante na rua Itararé, na entrada da favela da Grota, uma das mais tensas que compõem o Alemão.

    A produção de "Alemão", o filme, também preferiu não gravar tudo na região. Só 30% do longa foi rodado no complexo. Há poucas cenas de rua e o principal cenário local é uma casa alugada para ser o QG do traficante Playboy (Cauã Reymond).

    O vilão da tela é inspirado em dois líderes da droga que existem na vida real —um deles é Luciano Pezão.

    "Fizeram ele igualzinho. Pezão era metrossexual, vaidoso, metia moral. As crianças o admiravam, queriam ser como ele", diz Rubens, 54.

    O resto da trama se passa em interiores; o principal deles é a pizzaria onde os policiais ficam encurralados. As cenas foram gravadas longe dali, num antigo colégio de freiras, no Alto da Boa Vista.

    "Não nos sentimos inseguros no Alemão em nenhum momento, nem mesmo nas cenas noturnas. Também sentimos carência das pessoas por entretenimento, por se comunicar com o elenco, com a produção", diz o produtor Rodrigo Teixeira.

    Além das poucas cenas gravadas in loco, o rosto da comunidade também pouco aparece. O único ator local é Smith, que tem poucas falas. "Mas pra mim tá bom, até se fosse pra varrer o chão eu ia gostar. Me dá orgulho representar minha comunidade."

    Para o blogueiro René Silva, que tuitou notícias da ocupação durante a ação de 2011 e hoje comanda o site Voz da Comunidade, o filme cumpre uma função social. "Mostra quais são os nossos problemas, joga luz na comunidade, e precisamos nos mostrar para o mundo", diz.

    Já Smith acha que há muito por fazer e que o governo parece ter se esquecido de que é preciso dar outro passo, após a ocupação militar.

    "O povo do Alemão não quer só arroz e feijão. Isso, aqui tem, todo mundo trabalha. As pessoas querem atenção, lazer, opções", diz.

    "Para a zona sul tá legal assim, os caras já não descem mais para roubar, mas e para quem ficou na comunidade? A segregação existe. Enquanto bacana tem muro de cinco metros e segurança dando bom dia, na comunidade, quando você abre a porta, tem policial dando tapa na sua cara, dizendo 'vagabundo, volta pra casa'."

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