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    Livro exibe o Mário de Andrade 'erudito'

    JOÃO BATISTA NATALI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    15/03/2014 03h37

    Mário de Andrade (1893-1945) era capaz de peraltices incríveis. Achava um absurdo, em 1940, que o maestro Arturo Toscanini (1867-1957) recebesse "centenas de contos de réis" para, com a Sinfônica da NBC, fazer dois concertos em São Paulo e quatro no Rio de Janeiro.

    O Brasil era um país carente de orquestras, conservatórios e bons músicos. Gastar com o regente seria apenas um "fogo de artifício fulgurante". E, em meio a sua indignação, o escritor paulista ironizou em versos: "Maestro que Toscanini adestra/ tem batuta mas não tem orquestra."

    Mário foi importante em tantas coisas que, além de romancista, poeta e polemista do modernismo brasileiro, acaba quase em segundo plano sua condição de etnomusicólogo e erudito musical.

    Wander Antunes

    Sobre o tema há cinco livros que ele publicou em vida e no mínimo mais dois de publicação recente.

    Boa notícia: acaba de sair "Sejamos Todos Musicais", com 22 crônicas feitas no Rio entre 1938 a 1940, e até agora inacessíveis fora das coleções da "Revista do Brasil" em bibliotecas.

    A edição foi preparada por Francini Venâncio de Oliveira, com orientação de Flávia Camargo Toni, excelente conhecedora do autor e responsável pelo acervo dele no IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), da USP.

    Nas crônicas, diz à Folha Francini Venâncio, o autor se sentia com a informalidade necessária para, numa linguagem quase coloquial e sempre sedutora, criticar com ironia alvos bem selecionados.

    Além de Toscanini, grandes pianistas estrangeiros que passavam pelo país naquela época eram vistos por ele como "verdadeiras águias", que, no entanto, traziam penachos desnecessários. Sobra até para Villa-Lobos, seu companheiro de modernismo.

    A razão: para a gravação de 23 discos que ilustrariam a presença brasileira na Exposição Universal de Nova York, em 1939, Villa-Lobos cedeu a partitura de "uma desagradabilíssima 'Canção Moura', sem o menor interesse e que nada representa".

    Um dos achados de Mário de Andrade, diz Francini Venâncio, está na diferenciação entre o músico, um personagem forte, e o "musical". Estes, mesmo se compositores, não cultivam a si próprios e se diluem num movimento cultural, sempre coletivo.

    Nesse ponto, diz a pesquisadora, "a música aparece a serviço de uma espécie de artesanato", com uma dimensão próxima à das congregações religiosas. Mário, "apesar de ter flertado com o marxismo", se preservou no fundo como um bom católico.

    As crônicas têm especial antipatia por récitas produzidas em torno de um solista. A ação transformadora da arte, para Mário de Andrade, se faz coletivamente e dispensa a subjetividade que as hoje chamadas celebridades tão bem representam.

    SEJAMOS TODOS MUSICAIS
    AUTOR Mário de Andrade
    EDITORA Alameda
    QUANTO R$ 26 (175 págs.)

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