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    Crítica: Coreano narra sofrimento na medida para virar best-seller

    NOEMI JAFFE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    15/03/2014 03h40

    Paul Valéry teria dito que não escreveria romances porque não conseguiria se imaginar publicando algo como "A condessa saiu às cinco horas", frase típica dos romances realistas de sua época.

    Depois de quase um século e de frases que transformaram o romance tradicional, é difícil ler um livro que começa: "Com a cabeça enfiada no brejo de ervas oscilantes, muitas coisas rastejaram diante dos olhos de Ijeong". Valéry, se vivo, desistiria novamente.

    Independentemente da boa história que um romance possa contar, é preciso, de alguma forma, que se procure sempre desacomodar a linguagem. De qualquer forma, a história de "Flor Negra", de Kim Young-ha, que estará na Bienal de Brasília em abril, é interessante.

    Divulgação
    O escritor sul-coreano Kim Young-ha, autor de 'Flor Negra
    O escritor sul-coreano Kim Young-ha, autor de 'Flor Negra'

    Trata-se de uma saga sobre a imigração coreana no México, no início do século 20, durante a terrível guerra entre o Japão e a Rússia, quando mais de 70 mil japoneses morreram na Manchúria.

    Por mais que soe remoto para um brasileiro em 2014 conhecer as desventuras de personagens coreanos no México há mais de um século, certamente haverá identificação com boias-frias oprimidos nas fazendas de sisal, que acabam por se aliar ao exército revolucionário zapatista para combater o coronelismo.

    Mas a questão, certamente, não se localiza na história, que, aliás, nunca é o problema. "Flor Negra" não contém elementos que justifiquem o fato de ele ter sido escrito sob a forma de um romance.

    A narrativa segue como um relato ora histórico, ora infantil ("e então, e depois, e daí, muitos anos depois"...), ora jornalístico, com artifícios tecnicamente inadmissíveis, como a parte 2 do livro, que começa com a seguinte observação: "Um ano se passou. Depois dois anos se passaram. Alguns morreram. Outros escaparam". O leitor fica sem saber se se trata de preguiça ou se o livro já está sendo preparado para um filme.

    O livro é apresentado como "uma história esquecida transformada em épico". Não. Trata-se de mais uma história verdadeira de sofrimento, escrita na medida para se tornar um best-seller. Pode vir a sê-lo. Mas não será uma epopeia, gênero que, felizmente, ainda está restrito a livros melhores.

    NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira e autora de "O que os Cegos Estão Sonhando?" (Editora 34).

    FLOR NEGRA
    AUTOR Kim Young-ha
    TRADUÇÃO Ana Carolina Mesquita
    EDITORA Geração Editorial
    QUANTO R$ 44,90 (312 págs.)
    AVALIAÇÃO ruim

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