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    Crítica: Conflitos atenuados enfraquecem peça sobre Elis Regina

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    19/03/2014 03h06

    "Elis, a Musical" repete o defeito costumeiro dos musicais biográficos, que é acompanhar e cultuar a vida de alguém como se tivesse drama. Sem seguir ditames mínimos de dramaturgia, fica chato. O resultado é um folhetim, sem conflito e fim mais claros, carregado de dramas familiares.

    Não precisaria ser assim, como provou Plínio Marcos com Noel Rosa. E na verdade Elis Regina carregava elementos trágicos em sua vida que bem poderiam resultar, de fato, em teatro. Um deles nem é tocado —a sua morte, a maneira como aconteceu.

    Outro é sua aproximação com a ditadura, presente no espetáculo, mas amenizada, repassada a outros. Atenuar conflito é algo que vai contra o teatro, obviamente, e enfraquece a Elis da peça. Mas se trata de um folhetim, em que personagens só têm um lado, ou é mocinho ou é bandido.

    Lenise Pinheiro - 12.mar.2014/Folhapress
    Cena do musical 'Elis' ilustra o início da carreira da cantora, no Rio Grande do Sul
    Cena do musical 'Elis' ilustra o início da carreira da cantora, no Rio Grande do Sul

    Não há no texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade uma narrativa, propriamente: é quase uma revista, um retalho de adaptações de entrevistas de TV etc. Os quadros musicais são também limitados em coreografia, figurinos.

    Dennis Carvalho, diretor de novelas, faz o que conhece. E há referências demais a celebridades de TV. Imitações demais, remetendo a programas humorísticos, por exemplo, com paródia gratuita de Paulo Francis, sem vínculo com a personagem-título.

    A imitação avança para a própria Elis. O melhor do espetáculo acaba sendo a capacidade de Laila Garin para mimetizar voz e trejeitos da cantora, cultuada por uma geração —que estava no teatro, no sábado. É público de show, que quer assistir à versão cover do ídolo, em autoengano.

    É outra particularidade dos musicais biográficos da leva recente no país: são rituais de ressurreição de celebridade.

    SUPERSTAR

    Em contraposição, "Jesus Cristo Superstar" é bem trabalhado, com maior apuro não só técnico, mas criativo.

    O segundo ato é uma aula de teatro musical do diretor Jorge Takla, começando pelo quadro "Getsêmani", em que Igor Rickli mostra por que foi escolhido para o papel-título. Wellington Nogueira, referência de comédia musical, vive Herodes num número essencial de alívio cômico.

    Mas a grande interpretação é de Alírio Netto, no papel de Judas Iscariotes, que rouba a cena, como Iago em "Otelo". É o mal com que o público se identifica, até porque não é perfeito, tem questionamentos e ciúme, ao contrário de Cristo. Com a voz rasgada, de rock pesado, parece estar sempre no limite não só de estourar a garganta, mas de destruir a verossimilhança.

    Divulgação
    Jesus (Igor Rickli) e seus seguidores em cena do musical 'Jesus Cristo Superstar'
    Jesus (Igor Rickli) e seus seguidores em cena do musical 'Jesus Cristo Superstar'

    Nos dois atos, são dele as cenas mais envolventes. Seu confronto central, que vem do original de Andrew Lloyd Weber e Tim Rice, é com Maria Madalena: contra a atuação sempre no limite de Netto, Negra Li introduz uma representação delicada, de voz suave, melódica, também de grande sensualidade, mas feminina, leve, cativante.

    Ao redor de Jesus, que funciona mais como "straight man", esteio da narrativa, são eles dois os protagonistas.

    O final ancorado na canção "standard" da peça, "Superstar", é visualmente exuberante da coreografia ao figurino. Mas sente-se falta de construção maior, ao longo da adaptação, para transformar Jesus em "superstar", em produto, sua crítica original.

    De qualquer maneira, erguido como uma Paixão de Cristo, "Jesus Cristo Superstar" mais cultua do que critica seu personagem-título. Celebra a fé e até parte dos ensinamentos dos Evangelhos -e não fazia o menor sentido, portanto, o protesto na entrada do teatro, na estreia, com dizeres contra o "sacrilégio".

    O diretor Jorge Takla, que ajudou a Time for Fun a se estabelecer como maior produtora de musicais no Brasil, abre o novo teatro da empresa, menor e situado no bairro de Pinheiros, com o que parece ser uma nova vertente, de mais risco e invenção.

    No novo espetáculo, podem ser identificados ecos até do teatro mais experimental, de Andrei Serban a Bob Wilson, com quem o diretor trabalhou na Nova York dos anos 70. Longe da Broadway.

    ELIS, A MUSICAL
    QUANDO qui., às 21h, sex, 21h30, sáb, às 16h e 20h; dom, às 17h
    ONDE Teatro Alfa, r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, Jd. Dom Bosco, tel. (11) 5693-4000
    QUANTO de R$ 40 a R$ 180
    AVALIAÇÃO bom

    JESUS CRISTO SUPERSTAR
    QUANDO qui. e sex, às 21h, sáb, às 17h e 21h, dom, às18h
    ONDE Teatro Ohtake Cultural, r. Coropés, 88, Pinheiros, tel. (11) 3728-4930
    QUANTO de R$ 50 a R$ 230
    CLASSIFICAÇÃO ótimo

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