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    Crítica: Não há literatura em novo romance de Paulo Coelho

    MARCELO O. DANTAS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/04/2014 03h03

    A protagonista de "Adultério", o mais novo romance de Paulo Coelho, chama-se Linda. É uma bem-sucedida jornalista suíça, casada com o dono de um fundo de investimentos. Tem dois filhos, casa elegante e acesso ao que há de melhor.

    Aos 31 anos, anda entendiada, sem muito desejo pelo marido. Um belo dia, entrevista um escritor, que lhe diz: "Não tenho o menor interesse em ser feliz, prefiro viver apaixonado".

    As palavras da serpente fazem o paraíso de Linda colapsar. Ela se vê assolada por dúvidas e a depressão se avizinha. Toca-lhe então entrevistar um ex-namorado de juventude, agora político, Jacob König. Como o nome indica, trata-se de um simulacro do rei Davi, com quem a jornalista vive eufórica o seu momento Monica Lewinsky.

    Divulgação
    O escritor Paulo Coelho, que lança seu 28º livro, o romance 'Adultério
    O escritor Paulo Coelho, que lança seu 28º livro, o romance 'Adultério'

    Segue-se um surto obsessivo de intermináveis cem páginas, após o qual o autor nos mostra, sem maiores cerimônias, os 50 tons da prometida aventura extraconjugal.

    Grandes escritores sabem que o adultério é um salto no abismo. Já o letrista de "Medo da Chuva" vê a infidelidade como um voo de parapente. Com instrutor e vista esplendorosa.

    Não espere, portanto, o leitor que a história acabe com a heroína jogando-se debaixo do trem, ao estilo de Anna Karenina, ou tomando arsênico, como Emma Bovary. Temos um final despido de complicações, com longa homilia sobre as virtudes do amor.

    Como diria um antigo guru de Dom Paulete: amor é a lei. Amor, sob vontade. Os números provam que há um grande mercado para isso. Desde que o autor saiba disfarçar o seu vitríolo com referências enganosas à primeira epístola de são Paulo aos Coríntios.

    Literatura não há em "Adultério". Estamos diante de um produto. Apenas isso. A narrativa é linear e monocórdia. Ao estilo, falta inventividade.

    As personagens não chegam a existir. A protagonista sofre dessa insuficiência ontológica que costuma acometer as heroínas de Paulo Coelho.

    Todas elas —Brida, Valhalla, Pilar, Veronika, Chantal, Maria, Athena— são mulheres insípidas, incultas e egocêntricas. Falam e pensam como se fossem travestis do autor. E invariavelmente precisam acessar o lado obscuro para que a grande deusa venha resgatá-las da frigidez.

    Neste mais novo volume, vemos Linda jogar-se nos braços de um Davi sem lira, sem que nenhuma atenção seja dada à epígrafe: "Vá para onde as águas são mais fundas".

    Pelo contrário, o barco de "Adultério" corre por águas desoladoramente rasas. O leitor lança as suas redes e elas retornam vazias.

    Um conselho? Poupe o seu dinheiro. Se quiser um livro, lembre-se: Hawthorne, Flaubert e Tolstói escreveram obras-primas sobre o tema; Joyce mergulhou na mente adúltera de Molly Bloom; e o maior romance da língua portuguesa busca convencer-nos da infidelidade de uma jovem com "olhos de cigana oblíqua e dissimulada".

    Para quem busca ajuda, a referência incontornável encontra-se no Evangelho de são João. Está tudo lá, em 11 versículos. Ao final do relato, Jesus diz à mulher adúltera: "Vai e não tornes a pecar".

    A mensagem se dirige a cada um de nós. Que deixamos o espírito de lado e nos perdemos em prazeres banais. Que esquecemos Machado na estante e saímos pela vida a ler Paulo Coelho.

    MARCELO O. DANTAS é escritor e diplomata.

    ADULTÉRIO
    AUTOR Paulo Coelho
    EDITORA Sextante
    QUANTO R$ 24,90 (240 págs.)
    AVALIAÇÃO ruim

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