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    Original de '120 Dias de Sodoma', de Sade, é comprado por milionário

    GRACILIANO ROCHA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

    12/04/2014 03h01

    Na noite de 3 de julho de 1789, quando Paris ardia em processo revolucionário, Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade (1740-1814), foi arrancado de sua cela na Bastilha e levado ao hospício de Charenton.

    Sade abandonou um rolo de 12 metros de comprimento: "120 Dias de Sodoma ou a Escola de Libertinagem", seu texto mais visceral.

    O autor morreu acreditando que o manuscrito tinha sido destruído com a Bastilha.

    Martin Bureau/AFP
    Manuscrito de '120 Dias de Sodoma', escrito por Sade e vendido por 7 milhões de euros
    Manuscrito de '120 Dias de Sodoma', escrito por Sade e vendido por 7 milhões de euros

    Mas o papel com sua letra cursiva foi comprado há duas semanas pelo francês Gérard Lhéritier por 7 milhões de euros (cerca de R$ 21 milhões ).

    É só o capítulo recente na aventura de um texto que foi escondido, perdido, reencontrado, profanado, roubado e recuperado ao longo de mais de dois séculos. "É um manuscrito mítico da literatura francesa, roubado e tirado da França. Agora, voltou para ficar", disse Lhéritier à Folha na última quinta, em Paris.

    "120 Dias de Sodoma" é a história de quatro aristocratas em um castelo na Floresta Negra que, em um inverno, submetem 42 meninas e meninos a sevícias e perversões sexuais. São descritas mais de 600 cenas de abusos.

    Foi nessa selvageria que Pier Paolo Pasolini (1922-1975) achou a inspiração e a metáfora para filmar "Saló ou os 120 Dias de Sodoma" (1975), que trata do fascismo.

    Cumprindo pena por vários crimes, como sodomia, Sade criou o texto entre 1782 e 1785 e o escondeu entre as pedras da cela. Após a queda da Bastilha, o rolo foi achado e vendido à família do marquês Villeneuve-Trans, que o guardou por três gerações.

    IDAS E VINDAS

    O manuscrito foi vendido no fim do século 19 ao médico alemão Iwan Bloch e publicado pela primeira vez em 1904, sob pseudônimo, com erros de transcrição.

    Foi recomprado por descendentes de Sade em 1929 e ganhou a primeira edição francesa dois anos depois. Para evitar censura, a edição era destinada só a bibliófilos.

    Em 1982, uma descendente de Sade, Nathalie de Noailles, emprestou o original ao editor Jean Grouet, que prometeu estudá-lo. Meses depois, ele devolveu o estojo vazio: vendera o rolo ao colecionador suíço Gérard Nordmann por 300 mil francos.

    Aí começou a batalha judicial. A França incluiu o rolo na lista de obras roubadas da Interpol. Uma corte suíça concluiu que Nordmann adquiriu o original de boa-fé.

    O acordo para a volta do original à França levou três anos e foi conduzido por Lhéritier, negociante de documentos raros. Ele pagou tanto à família Nordmann quanto aos descendentes de Sade em troca do texto e do encerramento das ações.

    No dia 25 de março, seu jato particular voou de Genebra a Paris com o documento. O milionário, agora, pede a inscrição do manuscrito como tesouro nacional francês.

    Mario Camera
    Gérard Lhéritier, 65, comprador de manuscrito de Sade
    Gérard Lhéritier, 65, comprador de manuscrito de Sade

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