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    Crítica: Poemas de Yoko Ono não se distinguem de manual de autoajuda

    NOEMI JAFFE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    12/04/2014 03h07

    Um livro não deve ser lido de forma absoluta, talvez como nada na vida. É preciso colocá-lo em perspectiva e compreendê-lo dentro da obra do autor. Mas isso, ao mesmo tempo, não deve ser pretexto para atenuar suas falhas.

    É com essa máxima na cabeça —e só assim— que se pode ler o último livro de Yoko Ono, "Acorn": em perspectiva.

    Se soubermos que em 1964 a autora lançou o livro "Grapefruit", paradigma da arte conceitual; que "grapefruit" é um híbrido de laranja e limão, assim como Yoko é sempre múltipla e que "acorn" também é um tipo de legume híbrido; que o livro original era uma série de instruções e que este, recente, é uma espécie de prosseguimento daquele, podemos então localizar "Acorn" na história e dar os devidos descontos.

    Alfredo Aldai/Efe
    Yoko Ono passeia no museu Guggenheim Bilba
    Yoko Ono passeia no museu Guggenheim Bilba

    Mas o que terá acontecido com Yoko, ou com o tempo, a ponto de instruções radicais e insólitas, como "descasque; espie; destrua", terem se transformado em "imagine o maior arco-íris que vá do norte ao sul" ou, para espanto do leitor: "sonhe"?

    Não fosse o nome da autora na capa do livro, dificilmente alguém conseguiria distinguir o livro de um aguado manual de autoajuda.

    As frases soam como artifícios fáceis de apaziguamento e não se sustentam nem isoladas nem no conjunto.

    É preciso ter em mente o papel pacifista que a artista vem desempenhando, além de seu histórico estético e biográfico, para prosseguir até o final.

    Os desenhos, formas orgânicas minuciosamente pontilhadas, só fazem acrescentar mais obviedade às mensagens poéticas.

    É triste, mas é necessário admitir. Um projeto conceitual como "Grapefruit", que se impôs como a força do estrangeiro sobre o americano —foi escrito no Japão e precisou ser endossado por artistas reconhecidos para ser aceito— acabou derivando para mensagens tão simplificadoras que soam não mais do que comerciais.

    Só a leitura comparativa poupa "Acorn". Talvez nem isso.

    NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira e autora de "O que os Cegos Estão Sonhando?" (Editora 34).

    ACORN
    AUTOR Yoko Ono
    EDITORA Bateia
    TRADUÇÃO Carolina Caires Coelho
    QUANTO R$ 24,90 (214 págs.)
    AVALIAÇÃO ruim

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