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    Crítica: Só é preciso ser criança para apreciar peripécias de Tarzan no livro

    RUY CASTRO
    COLUNISTA DA FOLHA

    12/04/2014 03h40

    Do alto de sua casa na árvore, Tarzan está completando cem anos de estreia em livro. "Tarzan dos Macacos", de 1914, o primeiro de uma longa série, acaba de ser relançado no Brasil, em nova tradução e com o título reduzido a "Tarzan". É um dos grandes prazeres da literatura e, tenha você 12 ou 32 anos, só precisa de uma coisa para apreciá-lo: ser criança.

    Edgar Rice Burroughs, pai do personagem, nunca foi à África. Tudo bem. Julio Verne também nunca foi ao centro da Terra, Ray Bradbury nunca foi a Marte e Kurt Vonnegut Jr. nunca foi a Titã, que, por sinal, não existia. A África de Burroughs também não existia —até ele a ter criado. Na verdade, era apenas um cenário para seu personagem, este, sim, a decantação de uma série de mitos, lendas e outras criações literárias que Burroughs conhecia muito bem.

    Divulgação
    Ilustração de Hal Foster, de 1920, presente em 'Tarzan
    Ilustração de Hal Foster, de 1920, presente em 'Tarzan'

    Tarzan, o menino branco nascido na selva, órfão em bebê e criado pelos macacos, é um eco remoto de Rômulo e Remo, fundadores de Roma, que deveram a vida a uma loba. E, mais próximo, de Mowgli, o jovem herói de Rudyard Kipling, que teve todos os animais como seus mestres. Ao encontrar os livros deixados por seus pais numa choupana, Tarzan, sozinho, aprendeu a ler e descobriu seu status no mundo —exatamente como a Criatura do Dr. Frankenstein no romance de Mary Shelley.

    O misto de homem e besta que compõe a base de seu personagem já estava nos trágicos Jekyll & Hyde, de Robert Louis Stevenson; antes ainda, na fábula da Bela e a Fera; e, claro, na "Origem das Espécies", de Darwin, e no "bom selvagem" de Rousseau. Quanto à África, Burroughs aprendeu tudo sobre ela nos relatos jornalísticos do século 19 —o mais famoso, o de Henry Stanley, do "New York Herald", à cata do Dr. Livingstone na hoje Tanzânia— e nos insuperáveis romances de H. Rider Haggard, "Ela", "A Volta de Ela" e "As Minas do Rei Salomão". Todos anteriores a Tarzan.

    Mas que essa extensa genealogia não diminua a façanha de Burroughs. Seu personagem é um herói adulto, sensível, apto a peripécias e muito mais rico em livro do que nos filmes a seu respeito. Não é primitivo como o Tarzan de Elmo Lincoln, burro como o de Johnny Weissmuller e, muito menos, blasé como o de Lex Barker (e não Baxter, como no prefácio a esta edição). É um Tarzan em conflito e que tem de escolher entre reassumir sua persona de lorde Greystoke em Londres ou seu trono entre os macacos. Um doce bárbaro. E, como toda grande criação, é maravilhosamente inverossímil.

    Sou íntimo desse Tarzan há 60 anos. Li-o pela primeira vez aos seis anos, em 1954, na edição da Coleção Terramarear. Foi o primeiro livro que comprei. E devo ter gostado, porque a ele se seguiram outros 19 livros da série. Livros estes que foram se perdendo pela vida, mas que, nos últimos 20 anos, dediquei-me a encontrar nos sebos, um a um, as mesmas edições, com seus irresistíveis títulos —"Tarzan Triunfante", "Tarzan, o Rei da Jangal", "Tarzan e os Homens-Formigas"—, as capas gloriosas, o papel amarelado e, até hoje, um cheiro familiar, de descoberta da vida.

    TARZAN
    AUTOR Edgar Rice Burroughs
    TRADUÇÃO Thiago Lins
    EDITORA Zahar
    QUANTO R$ 54,90 (336 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

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