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    Crítica: Ritual de adoração a Rita Lee, musical tem cenas descartáveis

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    16/04/2014 03h06

    É tradição na Broadway testar os musicais longe da cidade. Diante da plateia, caem cenas, novas canções são compostas, personagens mudam. É teste de mercado, comercial, mas também sinal de respeito ao público.

    "Rita Lee Mora ao Lado" se beneficiaria de pré-estreias assim. Em seu segundo fim de semana, mostrou vazios de ritmo e cenas descartáveis até para a mínima narrativa que a produção propõe.

    Em especial, seria chance de selecionar com cuidado os quadros que a protagonista, Mel Lisboa, já pode ou não assumir. Talvez até dar mais tempo para desenvolver voz. O espectador atravessa a apresentação sob tensão, no aguardo de algum deslize ou tentando ouvir as canções.

    Não que ela precisasse ser Bidu Sayão ou, na cena musical paulistana, Kiara Sasso. Judi Dench, quando enfrentou "Send in the Clowns", canção "standard" de Sondheim, maior compositor vivo da Broadway, reconheceu não ter alcance vocal nem treinamento e falou que se defendia com suas técnicas de atriz, não musicais.

    Sua interpretação é hoje considerada marco. Dench chegou a ser apontada em 2008, num estudo britânico, como "a voz perfeita" por características como "pausar 0,48 segundo entre as sentenças" ou deixar cair a entonação ao longo dos versos.

    Deixando de lado qualquer justificação técnica, Lisboa poderia aprender com Dench, antes de mais nada, a ter e transmitir maior segurança vocal. De resto, física e até emocionalmente, compõe bem sua imitação de Rita Lee, nos cabelos, trejeitos, passos desajeitados de dança.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    A atriz Mel Lisboa interpreta a cantora Rita Lee em 'Rita Lee Mora ao Lado' no Teatro das Artes
    A atriz Mel Lisboa interpreta a cantora Rita Lee em 'Rita Lee Mora ao Lado' no Teatro das Artes

    Não se restringe à paródia, o que é um alívio na produção criativamente limitada de Márcio Macena —amontoando quadros decalcados de vídeos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tim Maia, Gal Costa, até Hebe Camargo, sem justificação aceitável para uma peça sobre Rita Lee.

    Lisboa se sai melhor nas cenas que envolvem comédia romântica. Também Fabiano Augusto supera a caricatura como Ney Matogrosso. Mas é Carol Portes que indica o que poderia ser "Rita Lee Mora ao Lado" —se se dispusesse a descartar o que é descartável em suas duas horas e meia.

    Como no livro de mesmo nome, a personagem fictícia interpretada por Portes segue e relata a vida da cantora. É o que dá o fio narrativo para manter o espetáculo em pé. Boa comediante, dribla até a armadilha preconceituosa de algumas piadas do texto.

    Mas não tem jeito. Como tantos musicais recentes, é um rito de adoração de Rita Lee, pouco importando suas características teatrais. A prova é que no último domingo a presença da cantora, anunciada no final, levou elenco e público enfim à catarse.

    Lisboa chorou descontroladamente. O palco foi ocupado pela equipe inteira aos prantos, enquanto o público também às lágrimas registrava em dezenas de celulares o encontro, já disponível em YouTube e Instagram.

    RITA LEE MORA AO LADO
    QUANDO sáb., 21h, e dom., 19h
    ONDE Teatro das Artes - av. Rebouças, 3.970, 3º piso, tel. (11) 3034-0075
    QUANTO R$ 60 a R$ 100
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos
    AVALIAÇÃO regular

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