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    Não sei o que é Google, disse Gabriel García Márquez em 2003

    FERNANDO RODRIGUES
    DE BRASÍLIA

    19/04/2014 03h04

    Melhor do que o prêmio foi conhecer e conviver por dois dias com Gabriel García Márquez, o idealizador da FNPI (Fundación para el Nuevo Periodismo Iberoamericano).

    Numa das várias conversas informais que tivemos ao longo do evento em Monterrey (México), ele falou sobre como e quando escrevia.

    No final desse bate-papo específico, redigi algumas anotações. Guardei tudo. Reproduzo a seguir essas notas (com algumas observações entre colchetes). Eis que ouvi:

    "Escrevo em um computador há quase 20 anos [estávamos em 2003!]. Em um Macintosh. Sempre. Tentei uma vez usar um PC, mas não me dei bem. Continuo com o Macintosh. Com tela bem grande", detalhou o escritor.

    "Tudo o que eu escrevo é em computador. Arquivo todos os dias em disquete [quem não souber o que é um disquete, o Google está aí para ajudar]. Ao final do dia, salvo o arquivo com números —1, 2, 3, 4, 5 etc. Assim sempre sei qual versão do texto é. Imprimo no final do dia e corrijo à noite ou pela manhã, ainda na cama, antes de escovar os dentes ou de tomar café".

    Ele disse que lê os jornais pela internet: "Começo pelos colombianos, os mexicanos e os principais dos Estados Unidos. Quando vejo que o mundo continua a existir, vou para o computador escrever. Não respiro das 9h às 3h da tarde, quando me chamam para almoçar. Não escrevo nem uso o computador depois disso. Não consulto quase ninguém sobre o que escrevo. 'Te meten cosas en la cabeza'."

    Anotei essa frase em espanhol mesmo, porque me pareceu melhor à época e me fazia lembrar da entonação do escritor ao expressá-la.

    "Mostro os textos apenas para alguns amigos leitores. Hoje, foi a primeira vez que vi como pode vir a ser a internet. O problema desse tipo de jornalismo é o mesmo de sempre: a veracidade dos fatos".

    Perguntei se já tinha ouvido falar no Google, criado cinco anos antes, em 1998. "Não, não conheço. Não sei o que é".

    Na conversa, García Márquez estava com um blazer xadrez, em tom amarelo. Tinha um curativo ostensivo no pescoço. Cabelos ralos, despenteados e grisalhos. Sua aparência era a de alguém que havia sido mais gordo no passado, com uma certa flacidez no rosto. Usava óculos e bigode.

    Na noite em que foram entregues os prêmios, García Márquez foi com todos os jornalistas festejar. Atencioso. Houve um jantar e depois fomos todos a um local onde se dançou muito. Ele também.

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