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    A literatura tem que se colocar no domínio do sonho, diz Mia Couto

    LÚCIO FLÁVIO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BRASÍLIA

    21/04/2014 16h23

    O escritor moçambicano Mia Couto, 58, se mostrou bem diferente da imagem de celebridade com a qual conviveu nos últimos dias, durante a 2ª Bienal Brasil do Livro e da Literatura em Brasília.

    Na última sexta-feira (18), por exemplo, quando participou de encontro sobre a língua portuguesa com o português nascido em Angola Gonçalo Tavares, se surpreendeu com o comentário da agente de sua editora, a Companhia das Letras, que iria conduzi-lo até o stand para a sessão de autógrafos.

    "Espera só um pouco que os seguranças vão nos ajudar a chegar até lá."

    João Batista
    O escritor moçambicano Mia Couto (à esquerda) durante entrevista
    O escritor moçambicano Mia Couto (à esquerda) durante entrevista

    Perplexo, com os olhos azuis arregalados, indagou: "Segurança? Mas para quê?".

    A mesma perplexidade apareceu quando a Folha lhe perguntou como ele explicaria o fato de ser tão popular com o público feminino. "Não sei dizer, é?", desconversou.

    "Acho que é por causa de algumas histórias que tiveram grande aceitação, escrevi um livro chamado 'O Fio das Missangas' em que as histórias foram ditas no feminino, então acho que foi por isso", tentou explicar.

    Biólogo de formação, o escritor moçambicano inspirou o primeiro nome, Mia, na adoração que tinha por gatos. Admitiu que na escola fora um aluno medíocre e que nunca confiou em suas habilidades como cientista, por isso resolveu viver em "estado de poesia". Publicou os primeiros versos aos 14 anos.

    "Lá em casa a gente tinha um poeta que era o meu pai, e minha mãe rezou muito para que eu não pegasse essa doença", brincou. "Mas eu vejo isso como herança, uma relação sagrada", contou.

    Com obras traduzidas em mais de 20 países, Mia Couto é uma voz representativa de seu país e do continente africano. Conta que vai buscar inspiração para suas histórias no cotidiano moçambicano e luta para ajudar a extirpar o estigma pessimista que paira sobre a África.

    "Minha literatura faz parte desse cotidiano, mas procuro fazer com que esse cotidiano se liberte do seu próprio tempo. A literatura tem que ter um tempo, mas também tem que ter uma saída, se colocar no domínio do sonho, da utopia", filosofou.

    "Essa espécie de maldição do continente existe no mundo e isso hoje acontece na própria África. A vontade é de romper e criar um novo paradigma, os povos estão fazendo uma contribuição cotidiana como qualquer outro continente para produzir alegria contra esse pensamento pessimista."

    Admirador da música brasileira e de nomes da literatura nacional como Guimarães Rosa, Graciliano Rosa e Carlos Drummond de Andrade, Mia Couto vê com bons olhos a tentativa de fazer um novo acordo ortográfico, mas teme que a unificação da língua de Camões em todo mundo possa prejudicar a essência há em cada nação.

    "É evidente que esse processo nunca vai unificar no sentido total, e ainda bem que não faz, porque há sotaques e léxicos próprios. Há necessidade de ter alguns cuidados para que essa língua não derive em diferentes línguas", alertou.

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