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    Filme venezuelano usa 'cabelo ruim' para falar de crise

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    24/04/2014 03h01

    Junior é um menino pobre de "cabelo ruim" —como se traduz o título do filme venezuelano "Pelo Malo". Sua mãe, Marta, não tolera que ele o alise, teme que isso afete sua masculinidade.

    "O cabelo parece banal, mas é a ponta da crise com a nossa própria identidade", diz Mariana Rondón, diretora do longa cuja pré-estreia aconteceu na semana passada no Brasil. A estreia oficial deve ocorrer em maio.

    "Esse cabelo que sempre cresce é metáfora para um conflito contínuo que vai do superficial ao profundo", afirma Rondón.

    Divulgação
    O menino Samuel Lange Zambrano como Junior, no filme 'Pelo Malo
    O menino Samuel Lange Zambrano como Junior, no filme 'Pelo Malo'

    A mãe, que faz bicos como vigia, cria dois filhos sozinha num cubículo em Caracas. Ela reprime as tentativas do mais velho de alisar o cabelo e a forma como ele dança.

    "Temos duas maneiras de ascensão social na Venezuela: concursos de miss e carreira militar. Uma sociedade construída sobre valores tão vazios é inevitavelmente machista", diz a diretora.

    Enquanto o garoto tenta usar secador, óleo e até maionese para deixar o cabelo liso, o longa mostra cenas reais de pessoas raspando a cabeça em solidariedade ao então presidente Hugo Chávez, que se tratava de um câncer.

    A crise na Venezuela não é o tema central, mas o clima de Fla-Flu político permeia o enredo e marca o lançamento do filme no país.

    "A polarização na política é tão grande que estendeu a intolerância a todos os aspectos da vida, entrou na casa das pessoas", afirma Rondón.

    "Pelo Malo" levou o principal prêmio do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, na Espanha, em setembro. Na ocasião, a diretora falou ao jornal "El País", atribuindo a Chávez a culpa pela radicalização política.

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    O personagem Junior, depois de tentar alisar o cabelo
    O personagem Junior, depois de tentar alisar o cabelo

    "De quem foi a responsabilidade? Toda de Chávez. Quando ele disse 'quem não está comigo está contra mim', nos sentenciou a esta guerra. E Maduro segue o mesmo caminho", declarou ao jornal.

    Em resposta, o Sistema Bolivariano de Comunicación criticou a cineasta em nota: "Rondón desconhece a gestão de governo que apoiou seus filmes, que deu respaldo ao cinema venezuelano".

    Às críticas oficiais se somaram a de outros artistas: "Mariana Rondón é uma vergonha pátria", escreveu, no Twitter, Zhandra Rodríguez, bailarina mais famosa daquele país.

    "Tratei de me manter à margem dessas discussões", diz Rondón à Folha. "Foi injusto, porque a repercussão se deu por declarações minhas, e não pelo filme."

    Na Venezuela, uma lei da época de Chávez obriga membros do setor audiovisual a pagar imposto destinado a um fundo pró-cinema. Um júri elege quais filmes podem ser parcialmente bancados com dinheiro público, como foi o caso de "Pelo Malo".

    A lei também obriga exibidores a manter por pelo menos duas semanas filmes venezuelanos em cartaz, o que tem ajudado a produção.

    "O dinheiro sai de impostos de todo o meio audiovisual. E mesmo que viesse só do governo ele não teria o direito de me criticar, pois se trata de obra de arte."

    "Às vezes acho os protestos justos; outras, os manifestantes se excedem. Só teremos conciliação quando os sistemas judiciário e eleitoral forem absolutamente independentes", diz Rondón.

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    O personagem Junior com sua vizinha, em 'Pelo Malo
    O personagem Junior com sua vizinha, em 'Pelo Malo'

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