Após exibir seu décimo longa no último Festival de Veneza, no qual venceu o Grande Prêmio do Júri, o celebrado Tsai Ming-Liang, cineasta chinês de Taiwan, anunciou que pretende abandonar o cinema.
Este sentimento de fim, ou melhor, de beco sem saída, contamina cada um dos longos e longuíssimos planos de "Cães Errantes", como um sinal de esgotamento da visão de mundo e de cinema de Tsai.
O filme registra o cotidiano de um pai e seus dois filhos nas ruas, em espaços desabitados e lugares baldios de Taipé. O trabalho dele, de ficar em pé segurando placas com anúncios de empreendimentos imobiliários, mal se enquadra na categoria subemprego. As crianças sobrevivem recolhendo restos em supermercados.
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Família caminha pela ruas de Taipé, capital de Taiwan, em cena de 'Cães Errantes' |
Vivendo além do limite da miséria, os personagens nem permitem materializar o sentimento de denúncia que costuma interessar as plateias que se indignam com a injustiça enquanto mastigam confortavelmente guloseimas.
Tsai prefere filmá-los como zumbis, seres destituídos de vida, corpos ambulantes que vagam na metrópole, ruínas de uma ideia de progresso.
No lugar do pai, o ator Lee Kang-shen permanece como o eixo conceitual da obra de Tsai. Lee começou jovem nos primeiros filmes do cineasta e agora, já com mais de 40 anos, é o único elemento que sustenta a ideia de narrativa, no mais totalmente ausente.
É no corpo deste ator-fetiche, não na psicologia, que o filme projeta temas como dor, fome e vazio.
Filmar o vazio, porém, tornou-se um problema na obra de Tsai. A opacidade dos comportamentos e a escolha dos tempos mortos, adotada desde os primeiros filmes como forma de capturar algo próximo do nada, cristalizou-se num estilo, congelou-se em composições que só assombram pela beleza.
O que elas revelam, no entanto, é apenas um cineasta fascinado pelo próprio artifício que construiu, enredado na armadilha do próprio olhar e institucionalizado pelos júris dos festivais como autor de "radicalidade estética".
Ao espectador, resta permanecer hipnotizado por essas teias visuais, aborrecer-se infinitamente ou decidir que duas horas e dezoito minutos é tempo demais para ficar contemplando o nada.
CÃES ERRANTES
(JIAO YOU)
DIREÇÃO Tsai Ming-Liang
PRODUÇÃO Taiwan/França, 2013
ONDE CineSesc
CLASSIFICAÇÃO 18 anos
AVALIAÇÃO regular