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    Crítica: Livro sobre bastidores de séries é para ser lido num só fôlego

    BARBARA GANCIA
    COLUNISTA DA FOLHA

    26/04/2014 03h47

    Temos o mesmo passado em comum. Primeiro foi o encantamento com "A Feiticeira" e "Perdidos no Espaço". Depois vieram as horas na frente da TV diante de "As Panteras". Nessa época você ainda achava que a situação estava sob controle. Era coisa de meia horinha.

    Mas um dia a tecnologia produziu uma tal de TV a cabo, e ela era livre de vínculos comerciais que obrigassem os heróis que desfilam por seus programas a exibir valores morais elevados.

    Nesse ínterim, o cinema resolveu se transformar numa indústria massificada e passou a produzir um só produto em várias embalagens diferentes para jovens imbecilizados de todas as faixas etárias.

    Não deu outra. A combinação gerou um produto que você aprenderia a venerar e do qual se tornaria irremediavelmente dependente.

    Tudo começou com "Família Soprano". Quem dele bebeu, logo sorveu "A Sete Palmos", e assim por diante, até chegarmos às obras-primas "Mad Men" e "Breaking Bad".

    É sobre os bastidores das produções destas séries, o maior vício legalizado que todos nós consumimos com gosto, seus criadores e seus personagens que o americano Brett Martin trata no delicioso "Homens Difíceis", livro para ler num só fôlego enquanto você aguarda o próximo episódio de sua série.

    O autor já escrevera um livro sobre a rainha e soberana de todas as séries, "Família Soprano". E argumenta que os novos dramas da TV a cabo são arte popular, sim. Para ele, a televisão é "a forma de arte predominante de nossa era". Ouviu bem, dona fotografia?

    O autor nos dá uma visão bem mais íntima do que jamais vimos sobre os "homens difíceis" com os quais aprendemos a conviver. Anti-heróis que jamais entrariam na nossa sala nos bons tempos de mocinhos e bandidos.

    O advento de Hannibal Lecter provou que vilões podem ser "gostáveis". No caso do personagem de Anthony Hopkins, talvez o segredo estivesse no seu refinamento e humor, no fato de ser infalível.

    Não é o caso de Tony Soprano, um trem descarrilhado. Emocionalmente abalado, ele simboliza a masculinidade em crise. Bem como Walter White, de "Breaking Bad", cuja transformação de professor joão-ninguém a chefe de cartel temido é aterrorizante.

    Personagens como Tony Soprano e Walter White e seus criadores são os "homens difíceis" retratados no livro de Martin. Os homens que escrevem, produzem e atuam nas séries também têm seus dramas registrados.

    Martin não se apaixonou de cara pelos Sopranos. Deixou-se seduzir. Depois de escrever um primeiro artigo por encomenda sobre a série, resolveu passar um tempo no set. Mas não conseguiu se aproximar de James Gandolfini.

    No último dia, obteve meia hora de conversa. O ator estava no meio de um divórcio, não conseguia se adaptar à fama. Tudo parecia estar lhe custando tremendamente.

    Gandolfini morreu no ano passado. Um ator tímido, talentosíssimo, torturado, que vivia num universo de exageros. Mais um Philip Seymour-Hoffman da vida. Ótimo argumento para uma série, não?

    HOMENS DIFÍCEIS
    AUTOR Brett Martin
    TRADUÇÃO Maria Silva Mourão Netto
    EDITORA Aleph
    QUANTO R$ 54 (368 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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