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    'O Bebê de Rosemary' retorna como minissérie pós-feminista

    RACHEL DONADIO
    DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS

    15/05/2014 11h45

    "O Bebê de Rosemary", filme de terror que Roman Polanski dirigiu em 1968 sobre uma mulher que engravida do demônio, pode parecer meio cafona em retrospecto, mas influenciou dezenas de cineastas e serviu de origem a inúmeras imitações.

    Agora, o filme será refeito em forma de minissérie para a televisão, com a história transferida a Paris e dirigida pela respeitada diretora polonesa Agnieszka Holland.

    A nova versão é muito mais sangrenta, mas também pretende ser mais complexa psicologicamente. Em sua primeira incursão a projetos de gênero, Holland, veterana do cinema de arte europeu e da TV a cabo norte-americana, diz que seu objetivo era transformar "O Bebê de Rosemary" em uma meditação sombria e pós-feminista sobre a perda de controle que as mulheres sentem ao engravidar, e sobre a sedução do dinheiro e poder.

    A minissérie de quatro horas deve ser exibida nos EUA nesta semana pela rede NBC, mas em uma noite de sexta-feira no começo de março, Holland, 65, estava dirigindo uma cena em um hospital de verdade. Rosemary, interpretada por Zoe Saldana, de "Avatar", está no final da gravidez e diz a um obstetra estar certa de que seu marido está mancomunado com satanistas.

    "Existem algumas coisas no ultrassom que nunca vi antes", diz o gentil médico, sem ironia perceptível, em uma das primeiras cenas (haveria muitas cenas mais).

    "Doutor", Rosemary diz, aterrorizada e ofegante, "há feiticeiros no meu edifício! Meu marido é um deles!" —o médico não parece convencido.

    No original de Polanski, Mia Farrow interpretava Rosemary como uma dona de casa sem malícia, uma católica não praticante de Omaha, Nebraska, com os cabelos cortados bem curtos e uma agenda repleta de tempo livre em Nova York, em um período no qual um casal jovem seria mesmo capaz de alugar um palaciano apartamento em Central Park West.

    Ela demora a perceber que o marido (John Cassavetes) fez um acordo com o casal do apartamento ao lado para doar o filho que ela está gestando a Satanás, a fim de avançar em sua carreira como ator.

    A nova versão, com roteiro de Scott Abbott e James Wong, que também trabalha em "American Horror Story", atualiza radicalmente o romance de Ira Levin no qual o original se baseava. Desta vez, a bailarina Rosemary é que sustenta a família, e ela enfrentava dificuldades para engravidar.

    Depois de um aborto involuntário, ela e o marido Guy (Patrick Adams, da série "Suits"), deixam Nova York pra recomeçar em Paris, onde ela recebeu uma proposta de emprego como professora na Sorbonne.

    A versão da Polanski "foi feita antes da revolução feminista, na verdade", diz Holland, em seu trailer, durante uma pausa nas gravações. Na época, Rosemary era "de certa forma uma vítima —do mundo dos homens, do mundo do poder, e de Satã".

    "Minha Rosemary", ela acrescenta, "é muito mais forte e determinada". Mas ela ressalva que Rosemary continue a ser vítima da natureza da maternidade, "dependente de pessoas que decidem em seu lugar o que fazer com seu corpo".

    Em sua interpretação da história, diz Holland, ela usou Rosemary para explorar "o quanto a maternidade, e a gestação, é complexa e complicada, e o quanto é difícil para as mulheres aceitarem aquela coisa crescendo dentro de seu corpo". Ela prossegue: "A ideia de depressão pré-natal e pós-natal, e a sensação de que você já não é mais dona de você mesma, são um tema importante em 'O Bebê de Rosemary'".

    A série é uma espécie de trabalho em família. Kasia Adamik, 41, filha de Holland, dirigiu a segunda unidade, responsável por algumas das cenas mais sangrentas, entre as quais uma na qual um coração humano é comido. (No original, a cena mais grotesca mostra Rosemary comendo fígado de galinha cru.)

    Holland é uma presença amistosa mas formidável no set. Nascida na Polônia e educada na então Tchecoslováquia, ela foi indicada para um Oscar de melhor roteiro por "Europa Europa", de 1991; seu filme "In Darkness" foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2012. Os dois falam do Holocausto.

    Transferindo-se sem esforço ao mercado de TV dos Estados Unidos, ela tem em seu currículo a direção de episódios de séries como "The Wire", "Treme" e "The Killing".

    Ela é amiga de Polanski há muito tempo, mas disse que não discutiu a nova versão com ele. Holland queria convidá-lo para uma ponta, mas a agenda não permitiu.

    No filme de Polanski, os demônios são velhos em um edifício empoeirado de Manhattan, diz Holland. Na nova versão, o ator britânico Jason Isaacs, que estrelou em "Awake", drama da NBC exibido em 2012, faz o papel de Roman Castevets, o líder do grupo satanista (e membro do conselho da Sorbonne), e a atriz francesa Carole Bouquet interpreta sua mulher. Eles emprestam ao satanismo um glamour e sedução muito europeus.

    "O demônio tem algo de empresarial, algo de burguês, cínico e muito satisfeito consigo mesmo", diz Holland, acrescentando que "os personagens de nossa série acreditam que todo mundo é corruptível, que todos podem ser comprados, é só questão de preço". (Não se sabe se o contestado imposto sobre a riqueza criado pelo presidente francês Framçois Hollande incide sobre a venda de crianças a satanistas.)

    Adams, 32, diz que o papel de Guy o interessou para que ele possa deixar de lado o menino bonzinho que interpreta em "Suits", e também porque gostou da ideia de tentar compreender como Guy poderia chegar a um acordo com o demônio.

    "Para mim, esse é o cerne da história", diz. "É quase Macbeth, em certo sentido. A necessidade de fazer sucesso, de ter poder, aquela coisa com a qual todos nos relacionamos".

    Entre as tomadas, Saldana, 35, sentindo muito desconforto por conta da prótese que simula a gravidez, diz que já lhe perguntaram antes se ela não achava que o papel podia trazer um karma ruim. Em 1969, a mulher de Polanski, a atriz Sharon Tate, que estava grávida, foi assassinada pela família Manson. "Nunca fui supersticiosa", disse Saldana.

    A nova versão enfatiza mais o romance entre Rosemary e Guy. Os produtores pediram que ela interpretasse o personagem em tom mais sexy, mas Holland lembrou a todos que embora esquartejamento e violência explícita possam ser exibidos no horário nobre da TV norte-americana, mamilos estão proibidos. "Isso revela alguma coisa sobre o país", ela diz.

    Holland continua mais interessada na ambiguidade psicológica. Sentada em seu trailer, ela sorri perversamente e diz: "Não estamos certos de que toda a história não aconteça só na cabeça dela".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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