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    Temos grandes autores brasileiros na Flip, afirma curador

    DE SÃO PAULO

    17/05/2014 02h10

    "Faz tempo que literatura não é um território tão demarcado", diz Paulo Werneck, curador da Flip. Leia entrevista.

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    Folha - Quais foram os critérios da curadoria na montagem da programação?
    Paulo Werneck - Procurei convidar autores millorianos, ou seja, que repercutissem aspectos da obra do Millôr, como a contestação ao poder, o humor, o ecletismo, o trânsito entre cultura erudita e cultura popular. Como um exercício curatorial para este ano, fixei-me o desafio de não repetir autores que já vieram em edições anteriores. Estamos vivendo uma renovação do repertório da própria Flip e quis marcar isso na programação. O que não impede que tenhamos repetecos no ano que vem, que terá outro recorte. Cada Flip precisa ser diferente da outra.

    Carlos Andreazza afirma que a literatura brasileira foi excluída da Flip.
    Temos grandes autores de literatura brasileira, afirmar o contrário é desmerecer Antonio Prata, Eliane Brum, Bernardo Kucinski, Marcelo Rubens Paiva, que são escritores "puro-sangue". Há um poeta extraordinário, que é o Charles Peixoto.
    Há em setores da opinião brasileira uma intolerância com artistas "de outras áreas" que escrevem livros. Mas faz muito tempo que a literatura não é um território tão demarcado, pois ela passou a dialogar com outras áreas da cultura. Para mim, isso é ótimo. É um orgulho ter a Fernanda Torres e o Gregorio, assim como o Persio Arida, um economista que tem feito incursões literárias ao narrar suas memórias da prisão. Isso é um reflexo da diversidade da programação. Sempre foi assim na Flip, do Chico Buarque ao Lobão, ambos "de outras áreas".

    Andreazza argumenta que a Record é a editora que mais lança autores literários nacionais, mas não teve nenhum deles contemplados na programação. Cita como exemplo Cristovão Tezza, Lya Luft, Alberto Mussa e Evandro Affonso Ferreira. Algum deles chegou a ser cogitado?
    Alguns, como Tezza e Mussa, já vieram e certamente virão de novo. Mas, pelo meu critério de não repetir, ficaram de fora, assim como outros excelentes autores que lançaram livros este ano: Bernardo Carvalho, Sérgio Sant'anna, Adélia Prado, João Paulo Cuenca e tantos outros. Evandro Ferreira é um bom escritor e ótima figura, certamente estará na Flip mais cedo ou mais tarde. Mas a Flip não é "on demand", meu trabalho não é satisfazer os desejos dos editores. De certo modo, é administrar as frustrações deles.
    A Record teve o autor homenageado no ano passado, Graciliano Ramos. Está com condições de fazer bonito com David Carr e Marcelo Gleiser, dois destaques da festa, no meu ponto de vista.

    Editoria de Arte/Folhapress

    As editoras costumam pressionar a curadoria da Flip para emplacar seus autores?
    Sim, fazem sugestões e eventualmente pressionam. Acho natural. Quando era editor, eu também queria que o maior número possível de autores editados por mim estivesse na Flip. O episódio mostra que não cedemos a essas pressões e que o market share não é critério da curadoria. Todos os editores certamente gostariam de ter mais autores. Isso me parece óbvio.

    Um levantamento da Folha apontou uma larga vantagem da Companhia entre as editoras com mais autores na Flip. Por que ocorre esse predomínio?
    A curadoria não se pauta por cotas de editoras, mas pelas questões literárias.
    Mas é preciso responder a essa crítica de modo concreto. O que acontece neste ano é que temos 21 editoras levando 41 autores para a Flip – e isso considerando apenas o livro mais recente de cada autor, o lançamento da Flip, sem forçar a barra. É uma marca histórica em termos de participação. Se isso não é diversidade, não sei o que é.
    Mas a participação também depende da capacidade de cada editor em convencer os seus autores, a proximidade que os publishers têm com os autores. Alguns trocam emails com seus grandes autores, outros mal têm contato, falam apenas via agentes. Quase sempre, quando há contato pessoal, os convites são aceitos. Adoraria que Temple Grandin, Umberto Eco e John Le Carré, convidados internacionais neste ano, publicados pela Record, tivessem vindo.

    Uma crítica recorrente é que a Flip é uma festa de esquerda. Houve uma tentativa de contrabalançar com nomes mais conservadores ou de centro?
    Considero bastante equilibrada esta Flip. Toda atividade intelectual que se preze é de resistência. A programação traz formas de resistência do século 21 que não se encaixam em antigos rótulos e até os questionam e subvertem.
    Glenn Greenwald, Eduardo Viveiros de Castro, Davi Kopenawa, Graciela Mochkofsky, Charles Feguson, por exemplo, são pedras no sapato de governos "de esquerda" (Obama, Dilma e Kirchner). Escrevem contra o que a esquerda se tornou. Nem por isso são de direita: como estamos vendo, eles incomodam tanto à direita quanto à esquerda. Assim como Millôr.

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