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    Crítica: 'Riocorrente' se destaca ao fugir da cartilha do engajamento

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    09/06/2014 02h42

    A palavra-valise emprestada do escritor James Joyce que dá título a "Riocorrente" guarda múltiplos sentidos que orientam ou desnorteiam seus personagens e a trama. O longa marca a passagem do diretor Paulo Sacramento ao campo da ficção.

    Na aparência, a cena de abertura de "Riocorrente" mostra um menino de rua cometendo um ato que sugere o prenúncio de um crime que de fato não acontece. Apesar de parecer à deriva pelas ruas, o garoto Exu tem um laço indefinido com Carlos, ex-ladrão de carros que agora tenta trabalhos dentro da lei.

    Sua amante, Renata, também segue um comportamento imprevisível, ora entregue à paixão carnal com ele, ora esforçando-se para levar uma vida a dois domesticada com o crítico de arte Marcelo.

    Este, por sua vez, experimenta uma crise de valores entre os ideais estéticos em que acredita e a banalização e mercantilização da arte a que é obrigado a ceder em seu trabalho num grande jornal.

    Divulgação
    Renata (Simone Iliescu) e o marido, Marcelo (Roberto Audio), personagens de "Riocorrente"
    Renata (Simone Iliescu) e o marido, Marcelo (Roberto Audio), personagens de "Riocorrente"

    Entre os quatro personagens circula uma corrente, no sentido elétrico do termo, que gera uma conexão e, sobretudo, os mantém em permanente tensão. Em outro sentido, eles aparentam estar presos numa cadeia, imobilizados por correntes que impedem que sigam outras direções.

    Rompê-las implica aceitar o recurso à violência, mas esta lhe aparece como autodestrutiva, na forma do suicídio, da droga e do sacrifício.

    A crise subjetiva e social manifesta-se em cada gesto e fala dos protagonistas dessa tragédia sem catarse, mas Sacramento recusa a cartilha do cinema engajado à brasileira.

    Seu filme não simula diagnósticos, tampouco entrega soluções imediatas. Dificilmente "Riocorrente" alimentará a pauta diária em torno da miséria brasileira.

    Assim como em "Prisioneiro da Grade de Ferro", formidável trabalho anterior de Sacramento como diretor, as imagens e os sentimentos que as sobrecarregam são de ordem mental.

    Como aqueles registros em que carcerários do Carandiru passaram do lugar de objetos a sujeitos, Carlos, Marcelo, Simone e Exu também estão encerrados. Em vez da prisão de concreto, a condenação aqui é ao mal-estar.

    RIOCORRENTE
    DIREÇÃO Paulo Sacramento
    PRODUÇÃO Brasil, 2013
    ONDE Itaú - Pompeia e circuito
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos
    AVALIAÇÃO ótimo

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