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    Sou uma coisa entre Ivete Sangalo e Ratos de Porão, diz Pitty

    THALES DE MENEZES
    EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

    10/06/2014 02h06

    Pitty está de disco novo. É quase uma "volta ao rock", após muita atividade nos últimos anos, mas dedicada a um projeto paralelo, a dupla de folk psicodélico Agridoce, com o guitarrista Martin Mendonça. Pitty, a banda roqueira da baiana Priscilla, 36, é retomada agora.

    "SETEVIDAS" é seu sexto álbum, incluindo na conta dois discos ao vivo. As letras maiúsculas do título, como se fosse gritado, ressaltam o impacto de uma primeira audição: é o disco mais pesado de sua carreira, por pouco não chega ao heavy metal.

    Sobre um som de garagem com guitarras distorcidas, ela volta a temas recorrentes, como a crítica ao consumismo ("Boca Aberta"), um lance sensual ("Pequena Morte") e a busca da renovação individual ("A Serpente").

    Adriano Vizoni/Folhapress
    Pitty e suas guitarras no Estúdio Madeira, onde ela gravou seu novo disco
    Pitty e suas guitarras no Estúdio Madeira, onde ela gravou seu novo disco

    Pitty recebeu a Folha no Madeira, simpático estúdio escondido numa sobreloja da rua Augusta, em São Paulo.

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    CD
    SETEVIDAS
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    Folha - São apenas dez músicas. Você preparou mais material do que mostra no álbum?
    Pitty - Sim, muito. Na hora de montar o disco a gente viu que tinha coisa que não cabia, tinha coisa que seria só encheção de linguiça. Sem essa de botar só por botar.

    Dez faixas lembram um LP.
    Foi pensado para ser assim, cinco músicas de cada lado. A minha cabeça ainda é de vinil. Tinha até uma música a mais que estava pronta. Aos 45 minutos do segundo tempo ela ainda estava no disco, mas veio a história do vinil. Pô, cinco de cada lado é perfeito. Eu penso nas duas partes, a primeira acabando com "Do Lado de Lá", então imagino a pessoa virando o disco. Tudo a ver com o vinil.

    Será lançado em LP?
    O vinil já saiu. Eu tenho os meus discos lançados em vinil, desde o primeiro. Eu gosto muito. Hoje eu basicamente escuto vinil e MP3. O MP3, na rua, na vida, e o vinil, em casa. E as coisas de que eu mais gosto, que eu quero ter de fato, eu tenho em vinil.

    Suas letras são bem pessoais. O que acontece no mundo, as manifestações nas ruas, isso não inspira você?
    Não é algo claramente incorporado, do tipo "eu preciso fazer uma música sobre o que está acontecendo". Mas é o mundo que a gente vive e isso permeia o seu eu lírico de alguma forma.

    Mas eu tinha umas questões pessoais que se impuseram. Quando pinta tem que dar vazão, mas quando não pinta não pode soar forçado.

    Eu já tentei escrever em terceira pessoa, ser a narradora de uma cena, tipo Bob Dylan, essas pessoas que contam histórias, mas eu tenho uma certa dificuldade com isso.

    Você enxerga seu trabalho como feminino?
    Acho que sim, mas eu não tenho outra referência, não sei como seria se eu não fosse mulher. Acho que foi ficando mais feminino ao longo dos discos, a questão de ser mulher foi aparecendo mais.

    No começo era diferente? Afinal, você era uma menina fazendo rock, e fazendo rock em Salvador.
    Tinha ali uma mulher abafada, escondida. Acho que era uma questão de sobrevivência. Eu precisei ser menos feminina para conseguir me impor num espaço muito masculino. Então não cabia, já que o estereótipo é que mulher é algo frágil, delicado, que precisa de cuidados. Era uma tentativa de subverter isso, de negar esse estereótipo.

    O que você enfrentava ali?
    O costume da objetificação, isso é coisa do machismo, que te transforma numa coisa. Tento não deixar que isso me encha o saco, mas se é um dia que eu estou com a pá virada... No Inkoma [banda da qual Pitty foi cantora nos anos 1990], eu era terrível. Banda hardcore, então rolavam altos papo de teor político, social, abaixo o machismo e muito mais coisa.

    Eu me lembro de que uma vez um moleque gritou: "Eu vim para um show de rock, eu não vim para um comício, não". Fiquei puta da cara. Aí falei: "Ah, é? Então é agora que você vai ouvir". E falei um monte. Mas você vai ficando mais velho e descobre outras maneiras de combater certas coisas que não são legais.

    Você não faria um show como os das cantoras pop, com trocas de roupa e coreografias?
    Tipo espetáculo de teatro, né? Não sei dizer se eu nunca faria, mas, por enquanto, não é o caso. Com Agridoce era diferente, a gente se apresentava em teatro. Mas eu gosto do improviso no rock.

    Você se apresenta em festivais alternativos, é respeitada pela turma underground, mas também tem popularidade para ir a um programa da TV Globo.
    A gente faz Rock in Rio e faz o Mada, um festival underground. Faz Porão do Rock e Planeta Atlântida, festivais que têm uma diferença enorme de público, de conceito. Mas eu acho isso massa. A gente vai no champanhe e na cachaça, não tem distinção.

    Meu objetivo é manter contato com o pessoal do underground, do alternativo, que é de onde eu vim, onde se descobre novas coisas, uma mentalidade que tem muito a ver comigo. Eu também quero cantar para o grande público, porque eu quero que todo mundo conheça o meu som.

    Eu passo a vida procurando meu lugar entre Ratos de Porão e Ivete Sangalo. Deve ter um lugar aí, estou tentando descobrir qual é.

    O que você escuta?
    Muitas coisas, sou uma dicotomia ambulante. Tem Jackson do Pandeiro, tem Clara Nunes e tem Dead Kennedys. Tem Bad Brains e Novos Baianos. Cada um tem uma coisa que me pega.

    Na hora de compor, essas influências se misturam ou aí você fica dedicada ao rock?
    Aconteceu uma coisa engraçada no ano passado. Eu tomei um susto. Eu gosto de não colocar muita regra na hora de criar. Do tipo vamos lá, vomita aí e não tenha medo de olhar o que sai.

    E, de repente, me saiu um samba! E o susto? Meu Deus, o que eu faço com isso? Saiu letra e música. E não foi só um, foram dois! Eu estranhei. Fiz uma demo e guardei.

    Você escreve textos além das letras de músicas?
    Escrevo mais sem ser letra. Crônicas, aforismos, haikai, poesia, maluquice. Às vezes uma frase, um pensamento. Tenho pastinhas e cadernos. Escrevo muito na estrada. O papel e a caneta são meus melhores companheiros.

    SETEVIDAS
    ARTISTA Pitty
    GRAVADORA Deck
    QUANTO R$ 30 (CD)

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