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    Tudo continua a se tornar ouro para o ex-Led Zeppelin Jimmy Page

    LARRY ROHTER
    DO 'NEW YORK TIMES'

    11/06/2014 13h02

    Em visita a Boston em maio para discursar aos formandos do Berklee College of Music, Jimmy Page, criador do Led Zeppelin, descobriu, para sua surpresa, que a escola tinha um curso no qual suas passagens de guitarra eram meticulosamente analisadas. "Eles tomam essas coisas e as desconstroem", ele disse, "as harmonias, as escalas e progressões, os arranjos".

    Para Page, que completou 70 anos em janeiro, o encontro é um lembrete não só de sua posição exaltada entre os guitarristas mas das aplicações práticas de um projeto que vem ocupando sua atenção pela maior parte dos últimos três anos. Faixa a faixa, ele vem remasterizando todo o catálogo do Led Zeppelin, que abarca nove álbuns de estúdio, e vasculhando os arquivos do grupo em busca de versões alternativas que possam iluminar a maneira pela qual a banda veio a criar canções que definiram o rock dos anos 70 e influenciaram gerações de músicos desde então.

    "Eu sabia que seria um projeto longo, que envolveria centenas de horas de gravações", disse Page em uma entrevista em Nova York. "Eu tinha de ouvir todas as fitas, inclusive as gravações piratas disponíveis. É algo que você tem de fazer se deseja um resultado realmente abrangente. Eu queria garantir que o trabalho tenha base firme, e odeio pensar o que poderia acontecer se eu não estivesse disponível para isso".

    Os três primeiros discos, que cobrem o período 1968-1970, saíram pela Rhino Records em 3 de junho, e os demais serão lançados este ano e no seguinte, em formatos variados, do vinil ao digital. Em cada caso, o disco remasterizado original virá acompanhado por um segundo no qual canções hoje famosas como "Whole Lotta Love" e "Stairway to Heaven" serão mostradas como trabalhos em progresso. Além disso, haverá registros de jam sessions nos estúdios e de apresentações ao vivo, baseadas nas gravações analógicas originais.

    Page, com cabelos espessos e brancos como a neve, parecia muito consciente da passagem do tempo, mas brincou a respeito, se definindo como "um cavalheiro de idade avançada". Na entrevista, ele alternou momentos de reflexão e de orgulho pelo lugar do Zeppelin, e o seu, na história da música pop. Seguem alguns excertos da conversa, condensados e editados:

    Por que você está fazendo isso? Os cínicos sem dúvida dirão que é só mais um astro do rock clássico tentando faturar, mas é sabido que você está muito bem de vida e assim, obviamente, alguma outra coisa o leva a fazer esse tipo de trabalho. Mas que coisa é essa?

    É multifacetado. As gravações analógicas originais do Led foram feitas para o vinil. Depois CDs foram produzidos com as fitas analógicas originais, e não eram muito bem feitos, eu devo acrescentar. Os CDs soavam horríveis para mim, naquelas primeiras versões. Eu sabia que era possível fazer melhor, e por isso fizemos uma remasterização especial para os CDs.

    Isso foi há 20 anos. Agora, pense em todos os formatos de som que existem hoje, especialmente nos que foram desenvolvidos nos últimos cinco anos. O advento dos fones de ouvido Beats, meu Deus, oferece a todo mundo uma nova percepção ao ouvir. Há todos esses formatos digitais, e ficou aparente que tudo precisava ser remasterizado em todos os formatos, tudo de uma vez, a obra completa.

    Imagino que você também esteja pensando sobre seu legado.

    Sim, tenho isso em mente. Estou plenamente ciente do que isso representa como que um guia para outros músicos. Há uma riqueza de conteúdo musical, atitudes e variações. Passar o bastão dessa maneira, se é assim que você prefere expressar, é parte da coisa toda.

    Estudando os créditos dos primeiros discos, uma coisa que me veio à memória é que você era o produtor, ou seja, a concepção sonora é sua. Isso aconteceu em uma época na qual todo mundo mais, incluindo os Beatles e os Rolling Stones, tinham um produtor na cabine para supervisionar as coisas. Vocês não tinham. Como é que você conseguiu?

    Eu tinha aprendido muito como músico de estúdio. Aprendi como fazer as coisas tecnicamente, como as coisas eram gravadas, o aspecto da compressão, eco, reverberação, essas coisas todas. E também tinha visto algumas coisas realmente sofrerem no estúdio por conta de produtores muito irritantes. Eu não queria que alguém viesse me dizer que "oh, não acho que vocês devam usar o arco nessa faixa". Edu sabia o que estava fazendo, e não queria que ninguém atrapalhasse.

    No filme "It Might Get Loud", você conta que, nos seus dias como músico de estúdio, os diretores musicais não objetavam a que você acrescentasse um riff à melodia de uma canção. Mas eu quero inverter a questão e perguntar quanto é que você percebeu que o riff em si podia ser a canção ou ao menos gerar canções. Porque essa é uma de suas marcas registradas.

    Ah, sim, o poder dos riffs e o elemento de transe em um riff. Eu diria que o descobri nos meus anos de formação, tentando aprender com os discos de blues. Eu realmente incorporei tudo aquilo com a maior seriedade. A intensidade de um riff sombrio —isso me veio definitivamente do blues de Chicago. Por isso, quando comecei a compor, os riffs já eram parte de minha composição.

    Bob Gruen/Divulgação
    Integrantes do Led Zeppelin em frente ao avião particular da banda, em 1973
    Integrantes do Led Zeppelin em frente ao avião particular da banda, em 1973

    Em parte por causa dos riffs clássicos do Led Zeppelin, vocês estão em companhia de George Clinton e James Brown como fonte de samples. E você de fato se envolveu nisso diretamente ao gravar "Kashmir" com Puff Daddy. Assim, como você se sente quando seus riffs são usados como samples em gravações de hip-hop?

    No sentido criativo, é fantástico. Mesmo que você não toque um instrumento, está criando coisas novas. Esses caras têm trabalhos incríveis na eletrônica, na mixagem. Acho muito divertido ouvir as faixas. Quanto ao lado dos negócios, porém, a questão do sample é mais complicada. O problema é que as pessoas não são pagas por seu trabalho. Ele é pirateado na cara dura. Isso me incomoda. Realmente me incomoda.

    Você já esteve do outro lado desse debate, especialmente nos dois primeiros discos do Led Zeppelin, quando vocês foram criticados por usar material dos grandes nomes do blues de Chicago, como Willie Dixon, sem reconhecer a autoria.

    Sim, mas nós demos crédito a ele.

    Mas só depois de muita disputa judicial, e por isso eu gostaria de perguntar, em retrospecto, como isso aconteceu, e quando a questão foi referida aos seus empresários, por que eles inicialmente se recusaram a conferir o crédito devido?

    Eu tinha um riff, que era um riff único. Eu tinha uma estrutura para a canção que era uma estrutura única. E é isso. Mas dentro da letra havia o verso "you need love", e outras semelhanças na letra. Não estou dedurando pessoa alguma, só estou relatando o que aconteceu, e Willie Dixon levou o crédito. Justo é justo.

    Depois de passar três anos preso no estúdio, você não sente vontade, ou necessidade, de tocar ao vivo?

    Com certeza, com certeza Quero definitivamente tocar ao vivo. Porque, cara, ainda tenho aquele brilho nos olhos, ainda toco bem. Por isso, sim, eu vou entrar em forma musicalmente, vou me concentrar na guitarra.

    E quando isso acontecer, vai ser com o Led Zeppelin.

    Fui informado no ano passado que Robert Plant disse que não faria coisa alguma em 2014, e depois perguntaram o que os dois outros caras pensam a respeito. Bem, ele sabe o que os outros caras pensam. Todo mundo gostaria de fazer mais shows com a banda. É uma jogada dele, e estou cheio disso, para ser franco. Não canto, e por isso não há muito que eu possa fazer a respeito. Parece bem improvável, não é?

    Mas com os anos você fez outras coisas, tocou com o Black Crowes e com Paul Rodgers. Por isso há muitos formatos diferentes em que consigo imaginar vê-lo tocando ao vivo.

    Também consigo. Não estou completamente desprovido de ideias. Vamos esperar que, lá pelo ano que vem, as pessoas possam me ver tocando. Porque é só isso que está faltando. Mas há coisas que você precisa fazer, e eu precisava cuidar da remasterização.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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